Elvis Presley em box que separa o joio do trigo de sua fase mais criticada

Depois dar baixa do Exército o cantor dividiu-se entre a música e o cinema
José Teles
Publicado em 25/05/2020 às 15:12
Elvis, depois da farda Foto: Divulgação


Uma das consequências do novo formato de se consumir músicas é que cada vez mais se escutam cada vez menos música com mais de dez anos. Com as exceções naturais, um ou outro nome cultuado ou descoberto, muitas vezes a partir de um relançamento em vinil feito na Europa. A geração millenium deu pouca ou nenhuma atenção à morte de Little Richard, que cantava soul, funk, rock antes de estes gêneros existirem. Se Little Richard era ignorado, desdenha-se Elvis Presley, que foi o maior entre os pioneiros que reprocessaram o blues, spirituals, gospel, country & western e os transformaram no rock and roll há, mais ou menos, 65 anos.
É natural que isto aconteça. De Elvis Presley o que chega à superfície é a música de sua fase mais comercial, na pior expressão do termo. Ou o hits do início dos anos 60, quando deu baixa no exército, e se alistou nas tropas de Hollywood, como ator de uma longa série de filmes, a maioria ruins, com música compatível com a qualidade deles. It’s Now Or Never é uma das canções mais lembradas dessa fase. Uma versão da canção napolitana O Sole Mio, em que Elvis solta a garganta poderosa, mas bem distante do roqueiro que mudou a música pop do planeta.
O outro Elvis que ficou para grande parte das pessoas, é o dos anos 70, quando se apresentava de macacão ladrilhado de diamantes. O grande cantor e performer permanecia, mas se no começo da carreira fizesse aquele tipo de música, passaria à história apenas como um a mais entre os muitos intérpretes talentosos do show business americano.
John Lennon, que o teve como ídolo e modelo nos anos 50, quando soube do falecimento do cantor disse que Elvis morreu quando entrou para o exército. O que aconteceu em 1959, quando ele foi servir nas forças de ocupação dos EUA na Alemanha. O comentário de Lennon porque o cantor voltou sem a rebeldia, sem provocar a libido das adolescentes, destilando uma sensualidade que levou a produção do programa Ed Sullivan Show a enquadrá-lo na tela da TV, mostrando-o apenas da cintura para cima. Queriam evitar que vissem os remelexos de pernas e quadris do Rei do Rock, mal comparando, uma antecipação do “passinho” pernambucano, e que lhe valeram o epíteto de “Elvis The Pelvis”.
ÁGUA COM AÇUCAR
O que o marcou nesta fase, que vai de 1960 a 1967 foi a série de filmes de rasa profundidade, água com açúcar, com poucas exceções, até pela quantidade. Protagonizava uma média de três filmes por anos, impossível manter a qualidade, igualmente nas trilhas. Porém talento não se perde de uma hora para outra. Entre 1960 e 1963, Elvis Presley gravou também boa música. (Não tão influente quanto o que lançou entre 1954 e 1958, mas que não macula sua obra, feito bobagens como Bossa Nova Baby (de Fun in Acapulco, 1963), ou The Shrimp Song (O Melô do Camarão), de Girls, Girls, Girls, de 1962). A melhor música de um filme dele está em Viva Las Vegas (um dos poucos elogiados pela crítica nessa fase). A trilha tem canções assinadas por um compositor de primeiro time, Doc Pomus, parceiro de Mort Shuman em alguns dos clássicos do pop dos anos 60.
Fun in Acapulco, aqui O Seresteiro de Acapulco integra a lista de episódios bizarros da carreira de Elvis Presley. Ele nunca esteve no México. As cenas em Acapulco em que o cantor aparece foram feitas em estúdio, em Hollywood. No balneário mexicano as cenas têm dublês. Até que ele poderia ir ao México, mas era persona non grata no país. Culpa de uma fake news. Uma entrevista inventada com Elvis, na cidade de Tijuana, fronteira com os EUA (ele nunca esteve na cidade). “Eu prefiro transar com três negras americanas, do que com uma mulher mexicana”, a frase nunca dita, e que levou o governo do México a banir a música de Elvis do país, seus filmes, e o próprio cantor.


BOX
Em mais um box do Rei do Rock, a RCA reuniu sua produção na retomada à carreira, nos três primeiros anos da década de 60. Em 1964, o furacão Beatles varreria os Estados Unidos tornando obsoleto não apenas Elvis Presley, como todos os ídolos infanto-juvenis que surgiram durante sua temporada na Alemanha.
O box Elvis Presley In Living Stereo - The Essential 1960-62 Masters peca pelo excesso. São seis CDs, 150 faixas. A edição econômica traz 62 músicas, e está mais do que de bom tamanho. As demais formam um enchimento de linguiça para fãs radicais do cantor, trabalhos acadêmicos, ou algo parecido. Elvis tem uma das carreiras mais bizarras do show business. É difícil imaginar que o maior vendedor de disco de seu tempo, não fazia turnês internacionais. Turistou na Europa, em suas folgas no Exército, mas como músico, só saiu uma única dos Estados Unidos para se apresentar no Canadá. O motivo era ao mesmo tempo prosaico. O empresário Tom Parker, que mantinha Elvis sob controle, vivia no EUA clandestino. Veio da Holanda, nos anos 20, chamava-se Andreas Cornelius van Kuijk e nunca teve um passaporte americano (segundo uma de suas biografias, esteve envolvido num assassinato, em Breda, na Holanda, e temia ser extraditado)
O empresário trazia as composições para o cantor. Graças a sua convivência com blues, o gospel e os spirituals no Tennessee, ele mesclou o que gravou com o pop de baixo teores. Paradoxalmente Elvis Presley, 25 anos em 1965, estava na plenitude como cantor. É escutá-lo em Fever (Eddie Cooler/Otis Blackwell), a interpretação definitiva da canção. Are You Lonesome Tonight, uma balada country é um dos seus grandes momentos deste período. A mess of Blues (Doc Pomus), Such A Night (Doctor John), com um coral gospel, ele deita e rola em Swing Down Swing Chariot, e Joshua Fitt The Battle. Nestes dias longos, e sem maiores opções, vale a pena escutar o Elvis Presley de 60 anos atrás, numa seleção musical e quem se separou o joio do trigo.

 

TAGS
jornal do commercio cultura música
Veja também
últimas
Mais Lidas
Webstory