Renato Barros numa biografia recheada de revelações

Músico ganhou oportuna biografia meses antes de falecer
José Teles
Publicado em 17/08/2020 às 9:12
Renato Barros, revelações Foto: Divulgação


Nos quatro últimos anos de sua vida, Renato Barros (dos Blue Caps, falecido em 18 de julho de 2020) passou horas conversando com Lucinha Zanetti, uma fã paulista, que viu o grupo pela primeira vez em 1965. Conversas, pessoalmente e por telefone, trocas de email, que resultaram na biografia Renato Barros - Um Mito! Uma Lenda (Editora Nelpa), um calhamaço de 644 páginas, que poderia chegar a bem mais. A autora diz que tem várias entrevistas que não foram transcritas. O livro é essencial para quem aprecia a historia da música brasileira, pela quantidade de informações que contém, não apenas sobre o grupo, mas sobre o iê-iê-iê, o mercado musical, a MPB, com muitas revelações de bastidores da CBS, a gravadora que abrigou os grandes nomes da Jovem Guarda.
A leitura da biografia mostra que o carioca Renato Barros foi um personagem mais importante do que se imagina. Mesmo com o grupo Renato e seus Blue Caps sendo o segundo maior vendedor de discos na época do iê-iêiê (só ficava atrás de Roberto Carlos), no auge do programa Jovem Guarda, Renato Barros pediu rescisão do contrato do grupo com a TV Record, porque estava atrapalhando a praia deles ao domingo.Com o iê-iè-iè perdendo espaços, todos os programas na TV foram tirados do ar, enquanto os principais nomes do movimento procuravam se encaixar na MPB, cortejar novo público, Renato e seus Blue Caps evoluíram ao seu próprio modo. Renato nem se considera como parte da Jovem Guarda, comentava que apenas passou por ela. “A gente começou em 1959, a Jovem Guarda veio seis anos depois”.
O Renato e seus Blue Caps foi, até a morte do líder, um eterno grupo de baile, sem pretensões a cult, ao estrelato, ignorado pelos que curtiam o rock brasileiro dos anos 60. Recusaram-se a participar de comemorações em diversas efemérides da Jovem Guarda, esnobaram até a TV Globo. Foi uma banda imensamente popular no subúrbio das capitais, e nas cidades do interior, mas com uma trajetória meio underground a partir da segunda metade dos anos 70. Se a autora fosse jornalista, seu livro teria sido reduzido à metade das páginas, por causa das repetições de informações. Porém, estas informações não são exatamente repetidas. Cada vez que Renato Barros fala, por exemplo, sobre a época em que convivia com Roberto Carlos, quando tocava com ele em circos na Região Metropolitana do Rio, acrescentava mais detalhes, e acabava esclarecendo lacunas na biografia de RC.
Por que, de repente, ele trocou, de repente, a bossa nova pelo rock? Renato revelou à biógrafa que foi imposição de Carlos Imperial. Roberto estava para ser dispensado da Polydor, pela qual estreou em disco cantando bossa nova, e vendeu muito pouco. Imperial conseguiu tirar Roberto Carlos da gravadora e disse que ele tinha que cantar rock. Roberto, segundo revela Renato, estranhou a sugestão. Alegou que não era cantor de rock: 'Tocar rock, eu? Mas eu não sei nada de rock'. Imperial lhe disse, então: 'Vou te apresentar um cara que sabe tudo de rock'. Era Erasmo Carlos (que foi vocalista da Renato e seus Blue Caps). Assim começaria a parceria mais duradoura da música brasileira.
REVELAÇÕES
Nas conversas com Lucinha Zanetti, Renato falava de episódios que não revelaria a um jornalista, como, por exemplo, a produção do primeiro disco de José Ribeiro, cuja canção A Beleza da Rosa (Pedrinho/J.Cipriano), de 1971, se tornaria um dos clássicos mais duradouros do brega. Ele foi abordado por um rapaz que queria lhe mostrar seu trabalho. Ele achou a figura muito estranha, mas ouviu, e gostou da música. Renato indicou José Ribeiro para ser contratado pela CBS. Quando foram gravar, escutou uma voz completamente diferente da fita: 'Não era o cantor que ouvi em casa, só pensava, meu Deus, o que é isso?' Pior é que Ribeiro desafinava, pronunciava as palavras erradas, sem o 's' nos plurais. Não dava para recuar, já havia pago a orquestra, músicos. Terminou o disco achando que ia perder o emprego de produtor. Foi direto ao 'seu' Evandro, lendário diretor da CBS, e contou toda a história. Levou um esporro, e se foi achando que seria punido. Três meses mais tarde foi chamado à sala de 'seu' Evandro Ribeiro, que lhe disse: 'Aquela merda que você gravou. Ele estourou'. José Ribeiro tocava no Brasil inteiro. Pela Beleza da Rosa, Renato Barros ganhou um carro da gravadora, e a medalha de Melhor Produtor do Ano.
Na cerimônia de entrega, Renato conta que Raul Seixas, na época também produtor da gravadora, perguntou a ele sobre José Ribeiro: 'Onde é que você descobre essas coisas?'. A resposta: 'Raul, isto é muita pesquisa, muita pesquisa'. Lucinha Zanetti conseguiu a proeza de fazer Renato Barros comentar a discografia de seu grupo faixa a faixa. Enquanto faz isso, resvala para mais revelações. Devolva-me, lançada pela dupla Leno & Lilian e assinada Por Lílian e Renato Barros, foi, confessa ele, composta sozinho, a parceria foi cedida à cantora, na época sua namorada. Ao mesmo tempo em que repassa a trajetória, sua e do grupo (que precisaria de um gráfico para mostrar as mudanças na formação), Renato vai contando o que testemunhou durante seis décadas em palcos e estúdios.
No meio de tantas revelações, algumas curiosidades. Nos primeiros anos da década de 70, o regime militar endureceu, e a Censura acompanhou o endurecimento. Foi quando surgiram os falsos importados, intérpretes e bandas cantando em inglês,e fazendo muito sucesso. Um desses hits foi Rainy Day, na voz de Richard Young. Renato Barros compôs uma música no estilo, geralmente rock baladas, foi apresentado por Cid Chaves, seu colega de Blue Caps, a um músico chamado Richardo Feghali, que convidou a irmã para escrever a letra. Rainy Day estourou no rádio, foi tema da novela Locomotivas. Deu uma boa grana a Renato, Ricardo Feghali (Richard Young) e à irmã dele Jandira Feghali, que se tornou bem sucedida na política. Ricardo Feghali, logo depois de Rainy Days, entrou no grupo Roupa Nova, onde ainda continua, como um integrantes mais atuantes, é produtor e compositor de sucessos para nomes feito Sandy & Junior.
TIM MAIA
No filme Tim Maia, de Mauro Lima, a cena mais comentada é a que Roberto Carlos dá uma esnobada em Tim, passando por ele sem falar, e jogando uma cédula no chão. Erasmo Carlos defendeu o parceiro denunciando exagero no filme. Renato Barros revela um episódio semelhante, acontecido no estúdio da CBS, no Centro do Rio. Ao entrar na antessala da gravadora, ele se deparou com Tim Maia esparramado no sofá (segundo o relato, 'muito mal vestido'). Tim Maia pediu que Renato dissesse a Roberto Carlos que estava esperando por ele na portaria. 'Ao receber o recado de que Tim Maia estava esperando lá na antessala, Roberto apenas olhou para Renato e disse: 'Tu já cumpriu tua missão, obrigado'. E não foi ter com Tim Maia'. 'Ao receber o recado de que Tim Maia estava esperando lá na antessala, Roberto Carlos apenas olhou para Renato e disse: ‘Tu já cumpriu tua missão, obrigado’. E não foi ter com Tim Maia”, revela Renato Barros à autora Lucinha Zanetti.

TAGS
jornal do commercio assinante cultura música
Veja também
últimas
Mais Lidas
Webstory