Coronavírus

O desafio do Brasil de salvar vidas e empregos na crise do coronavírus

Medidas de distanciamento social têm que ser cumpridas, mesmo com os impactos profundos na economia. Resta ao governo mitigar os impactos

Leonardo Spinelli
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Leonardo Spinelli
Publicado em 23/03/2020 às 20:49 | Atualizado em 23/03/2020 às 23:19
Luiz Pessoa/JC Imagem
Milhões de brasileiros, principalmente os 48 milhões de trabalhadores informais, podem ficar desamparados com as medidas de isolamento social - FOTO: Luiz Pessoa/JC Imagem

Mesmo diante de um impacto sobre a economia que alguns começam a comparar à grande depressão de 1929, que trará falências, desemprego e crise de crédito, a visão majoritária entre os economistas é que, no caso das medidas de distanciamento social para controlar o coronavírus, os médicos e infectologistas têm que ser ouvidos. O fechamento do comércio, adotado pelos governos estaduais, são ainda a melhor forma de combater os efeitos nocivos do novo coronavírus sobre a sociedade. O impacto pode ser mitigado pelo governo federal, com liberação de recursos, como começou a fazer, apesar de ainda ser considerado tímido.

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O presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) percebe a hesitação do governo e tenta ganhar capital político. Nesta tarde, ele usou o Twitter para dizer que “é hora do Congresso Nacional tomar as rédeas do Brasil”. O deputado usou a plataforma para divulgar que vai propor ao governo “uma emenda que vai segregar o orçamento, criar um regime extraordinário fiscal de contratações exclusivo”.

O receio de uma grande depressão foi externada nesta segunda-feira (23) pelo empresário Júnior Durski, dono da rede de restaurante Madero, um dos setores mais atingidos pelas medidas de distanciamento social. "É o que teremos em 2021 se não parar este LOCKDOWN INSANO. Vão morrer 300,400, 500 MIL PESSOAS nos próximos 2 anos no Brasil em consequência do dano econômico causado pelo LOCKDOWN", disse ele no Instagram, defendendo uma medida que vem sendo ventilada nas redes sociais. Em vez de isolar todo mundo, a quarentena deveria ser restrita aos idosos e pessoas com doenças preexistentes, que fazem parte do grupo de risco da doença. Cerca de 15% desse público morre ao contrair a covid-19.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Após a postagem do empresário, o presidente Jair Bolsonaro foi ao Twitter para criticar as medidas de isolamento social impostas pelos governadores. O comentário veio após ele anunciar, no Palácio do Planalto, nesta segunda (23), uma série de medidas para auxiliar governos locais durante a pandemia, num discurso que foi considerado uma mudança de tom na briga com os governadores.

Na rede social, no entanto, o presidente voltou à carga. "A epidemia afeta diretamente a todos, mas medidas extremas sem planejamento e racionalidade podem ser ainda mais nocivas do que a própria doença no longo prazo. Quando falamos em proteger empregos, também estamos falando de preservar a vida das pessoas. É isso que faremos!", tuitou Bolsonaro. 

Segundo  Rodrigo Maia, a ideia de criar um "orçamento de guerra" vai garantir mais tranquilidade para a área técnica discutir o gasto público. "O governo deve usar todo o caixa existente para o enfrentamento da crise do coronavírus. Vamos garantir que todo investimento seja vinculado diretamente à manutenção do emprego, ao cuidado dos mais vulneráveis e, principalmente, ao fortalecimento da área da saúde”, disse. “Estamos sob o risco de ter milhões de desempregados por conta da crise do coronavírus, e precisamos criar soluções para o enfrentamento do problema.”

É hora do Congresso Nacional tomar as rédeas do Brasil
Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ)

No Congresso, essa discussão ganhou o apelido de “orçamento de guerra”, um orçamento paralelo. Lideranças articulam a apresentação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para agilizar a implementação das ações de enfrentamento da crise provocada pela pandemia da covid-19. O pacote anticoronavírus envolve, até o momento, R$ 185 bilhões, mas segundo a Agência Estado, já se fala no Congresso na necessidade de destinar R$ 500 bilhões, com aumento de aporte para o Bolsa Família e os trabalhadores informais, além de suspensão de tributos para empresas.

ECONOMISTAS

As propostas vindas do Congresso ganham eco entre economistas. Com a crise, agora é a hora de o governo deixar de lado o teto de gasto e a discussão sobre déficits, para gerar dinheiro o mais rápido possível. Há pelo menos três fontes para trabalhar na injeção de ânimo na economia: emissão de dívidas e moeda, e redução de parte das reservas cambiais que hoje somam algo em torno de US$ 350 bilhões.

“O governo federal anunciou um pacote de suporte de R$ 85 bilhões para os Estados e municípios. Está na direção correta, mas tem que ser mais intensa. Tem gente estimando um impacto mínimo de R$ 500 bilhões”, avalia o economista da Ceplan Consultoria, Jorge Jatobá.

Ricardo B. Labastier
Jorge Jatobá, economista da consultoria Ceplan - Ricardo B. Labastier

Para Alexandre Teixeira, economista da MCM Consultores, o governo está tentando agir. “Decretou o estado de calamidade pública para se livrar das amarras das metas. A sensação é a de que o governo está caminhando na direção correta.”

Jatobá diz que as medidas de distanciamento social vão gerar queda de arrecadação, de emprego e renda, sobretudo entre as pequenas empresas e trabalhadores informais. “As medidas de supressão são necessárias. Tenho lido artigos que mostram que se nada fosse feito nos EUA, por exemplo, como está sendo feito agora em Nova York, haveria cerca de 2,4 milhões de mortes. Então, você tem que mitigar os efeitos da pandemia e também os efeitos do combate à ela. Isso requer muito dinheiro, algo em torno de 7% a 10% do PIB”, avalia. O PIB brasileiro em 2019 foi de R$ 7,3 trilhões.

Teixeira, destaca que, agora, não tem como fugir do padrão de combate ao vírus que foi adotado em outros países. “A recomendação médica é realmente restringir a movimentação de forma a desacelerar o contágio e não sobrecarregar o sistema de saúde e para isso é necessário conter a locomoção das pessoas”, diz.

Quantos aos impactos econômicos, observa, está cada vez mais claro que vão ser grandes. “Muitas empresas estão anunciando encerramento temporário de atividade, home office. Fora isso, tem todo o impacto sobre a confiança, decisão de investimento e mesmo de consumo, tudo tende a ser postergado. Ainda temos também os efeitos externos, queda do preços das commodities e desaceleração da economia mundial”, comentou.

A recomendação médica é realmente restringir a movimentação de forma a desacelerar o contágio e não sobrecarregar o sistema de saúde e para isso é necessário conter a locomoção das pessoas<aspas>
Alexandre Teixeira, economista da MCM Consultores

O preço das commodities tem uma grande influência sobre a economia brasileira, impactando vários setores e, por tabela, a renda. No caso da recessão mundial, apesar de o país ter uma economia pouco aberta, haverá influência negativa. “A economia em 2020 vai entrar em recessão, algo pior do que aconteceu em 2008 e 2009 após a crise do subprime nos EUA”, recorda Teixeira.

SHUTDOWN GLOBAL

Nas redes sociais, a discussão sobre o impacto do chamado “shutdown global” viralizou, com muita gente preocupada com os efeitos colaterais, como desorganização econômica, desespero e violência urbana. Afinal, serão milhões de brasileiros, principalmente os 48 milhões de trabalhadores informais desamparados, que precisam da circulação de pessoas para oferecerem seus serviços e produtos.

Um dos que externou essa preocupação foi o ex-ministro da Cidadania do governo Bolsonaro, o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS). No final de semana, um áudio viralizou em que ele defende que o fechamento do comércio, das empresas e o isolamento das pessoas vão trazer muitos prejuízos para o País e não terá efeitos para o sistema de saúde, porque o número de mortes com ou sem confinamento será o mesmo. Os infectologistas estimam que até 80% da população vai contrair o novo coronavírus.

Marcelo Camargo/ ABR
Deputado Osmar Terra (MDB-RS) - Marcelo Camargo/ ABR

A visão de Osmar Terra, no entanto, também não é unanimidade. Em entrevista ao canal de notícias CNN, na tarde desta segunda (23), o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, lembrou que as medidas de distanciamento social servem para evitar um pico muito forte no sistema de saúde.

“Se não houver um pouco forte de contaminação a gente tem condição de garantir vagas de UTI na rede pública e privada para que todos possam ser atendidos. Essa deve ser a prioridade. É claro que o governo tem que entender que com o isolamento das famílias a economia vai ter um tranco de 30, 60, 90 dias. E o governo precisa intervir nessa parte, mas nunca na linha de liberar, tirar do isolamento quem tem menos de 60 anos. Acho que não, a gente ainda não conhece o vírus e como vai ser a receptividade dos brasileiros ao vírus, qual será a reação. Em cada país foi de uma forma, então a gente precisa ter paciência e focar no enfrentamento”, disse, chamando, inclusive, a participação do setor privado para construção de leitos de UTI. “Na Alemanha este foi um dado fundamental.”

Para Jatobá, a postura de Osmar Terra é até ingênua. “Ele subestima o poder dessa nova epidemia e compara com eventos passados de menor intensidade. Essa só tem paralelo com a pandemia da influenza (Gripe Espanhola) que assolou o mundo em 1917 e matou milhões de pessoa, meu avô morreu em Bom Conselho. Naquele tempo não havia os recursos que temos hoje”, diz Jatobá, lembrando que não tem muito o que fazer. “A China controlou, Taiwan também . A Itália que tardiamente adotou o isolamento social, a Espanha. Todos os países mostram que é necessário. Cabe ao setor público, empresários e sociedade civil a cuidar dos impactos.”

Na sociedade civil há algumas iniciativas em relação a doação de equipamentos, clubes de futebol estão oferecendo suas instalações e outras iniciativas. “O setor público pode ajudar com crédito subsidiado para pagar parte da folha, principalmente das empresas menores. Mas os patrões têm que evitar demitir de forma irresponsável. A pessoas têm família, têm que cuidar da higiene, precisam de quem tem mais recursos para suavizar os efeitos econômicos dessa supressão.”

“A prioridade agora é estancar a disseminação fazer o ritmo de propagação se reduzir ao máximo. Impor o distanciamento social é a maneira de evitar a propagação do vírus”, comentou o economista Alexandre Teixeira. “Aos economistas cabe medir o custo econômico disso e de fato vamos ter um custo elevado. O consenso é de que haverá recessão novamente na economia, a variância é na intensidade. Há que fale em 4% de queda.”

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Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ)
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Alexandre Teixeira, economista da MCM Consultores

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