Café especial vira negócio, turismo e lazer em Taquaritinga do Norte

Cidade do Agreste de Pernambuco concentra 47% da produção de café do Estado e é um dos poucos lugares com um raro de grão especial
Marília Banholzer
Publicado em 14/03/2020 às 7:05
Produção de café em Taquaritinga do Norte, Agreste de Pernambuco Foto: MARÍLIA BANHOLZER/JC


* Repórter viajou a convite da Secretaria de Turismo e Lazer de Pernambuco

Andar pelas estradas de barro amarelo das serras de Taquaritinga do Norte, Agreste do Estado, a 186 km do Recife, é sentir o aroma de café a cada curva. Responsável por 47% da produção de café em Pernambuco, que segundo levantamento de 2017 do IBGE gira em torno de 322 toneladas por ano, a cidade é uma das poucas localidades do País a possuir o grão Arábica Típica, primeira planta cafeeira a ser introduzida no Brasil, em 1727. Além de Taquaritinga, esse tipo de café só é encontrado na região do Maciço de Baturité, no Sertão do Ceará.

Apesar da raridade, a planta era pouco explorada economicamente em Taquaritinga. Somente a partir de 2017, quando a gestão municipal decidiu incentivar os produtores locais, o café de Taquaritinga passou a ser reconhecido pela sua qualidade singular. O movimento casou com a chamada terceira onda do café, em que os consumidores passam a dar mais valor e atenção ao sabor, forma de cultivo, analisando rótulos e variedades de grãos.

FOTO: RENAN TAVARES/PATRÍCIO LIMA - Taquaritinga do Norte é um dos poucos lugares no Brasil a produzir o café do tipo Arábica Típica

Nos últimos três anos o número de marcas locais cresceu. Em 2018, quando foi realizado o primeiro Festival Café Cultural, apenas quatro produtores locais expuseram suas marcas. No ano seguinte já eram sete rótulos. Para este ano, na terceira edição, a expectativa é de que 12 produtores apresentem seus cafés para um público de 50 mil pessoas que deverá visitar Taquaritinga entre os dias 9 e 12 de julho.

Para o produtor de café e presidente da Associação dos Produtores Orgânicos de Taquaritinga (Aprotaq), Toni Leonel, a "descoberta" da raridade do café de Taquaritinga do Norte, somada ao bom momento da bebida no País, tem feito com que pessoas que antes tratavam o cultivo como hobby ou atividade produtiva secundária passassem a priorizar seu cultivo.

FOTO: RENAN TAVARES/PATRÍCIO LIMA - Toni Leonel trabalhava na saúde do município quando decidiu tornar o café seu negócio prioritário

Segundo Leonel, hoje existem 18 produtores ligados à Aprotaq, mas o plantio de café é unanimidade na cidade. Desse grupo, no entanto, somente 10 já produzem cafés orgânicos beneficiados. "Não é só plantar e colher o café para vender em sacas, como antigamente. A ideia é incentivar que esse produto seja beneficiado, vendido em saquinhos, com bons rótulos, direto ao consumidor", explica o presidente da associação. Com esse objetivo, os produtores locais passaram a defender que ao invés de quantidade é mais importante ter qualidade.

Leonel conta ainda que por causa da seca prolongada que afeta o Agreste pernambucano, e que já dura cerca de oito anos, o município perdeu capacidade de produção. "O diferencial do Arábica Típica é que ele é cultivado na sombra das vegetações da Mata Atlântica. Isso faz com ele demore mais a ser colhido e oferece a ele uma doçura maior. Mas com a seca perdemos muito dessa cobertura da Mata, houve queimadas, inclusive", relata ele que também é proprietário da marca Várzea Grande.

FOTO: MARÍLIA BANHOLZER/JC - O café Arábica Típica precisa ser produzido na sombra, por isso é tão importante que haja cobertura vegetal

Pensando nessa proteção da vegetação local, alguns produtores têm buscado investir no replantio de espécies típicas da Mata Atlântica na serra de Taquaritinga. A administradora Maria Eduarda Assis, uma das proprietárias do Sítio Conceição, onde é produzido o Café Terral Ecológico, defende essa prática. Ela conta que além evitar o desmatamento natural por causa da seca e outras questões climáticas, tem tentando ampliar suas áreas com café plantado. "Temos pés de café da época em que houve os primeiros plantios, coisa de 80, 100 anos. Mas já estamos investindo em aumentar a área de plantio de café porque entendemos que é um bom momento para o café", ressalta a produtora.

MARÍLIA BANHOLZER/JC - A jovem Eduarda Assis transformou o hobby do pai num negócio promissor

Uma das marcas mais famosas de café de Taquaritinga do Norte é a Yaguara Ecológico. Enquanto os demais rótulo locais são vendidos, majoritariamente, em Pernambuco, ela chega a ser exportada para EUA e Japão, além de já ter alcançado o mercado de outros sete estados brasileiros, como Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Produtor responsável pela marca, o norte-americano David Peebles está na região há 43 anos e afirma que o segredo está em investir na policultura para garantir que o terreno esteja saudável para a produção do café, além da tão importante cobertura para o grão que deve ser mantido na sombra.

Um saco com 250 g do café Yaguara Ecológico custa R$ 27 e rende cerca de 35 expressos. O preço é o dobro do praticado pelos outros produtores da região, que vendem a mesma quantidade por cerca de R$ 12. "O café tem que ser beneficiado. As pessoas estão começando a tratar ele como vinho. Tem gente que paga R$ 14 num expresso. O mercado brasileiro começou a mudar de uns anos para cá, mas basta um produtor ruim usar na sua marca a palavra 'Taquaritinga' para acabar com a reputação", observa.

FOTO: RENAN TAVARES/PATRÍCIO LIMA - Café Yaguara Ecológico é o mais bem estruturado na região e chega a ser exportado

O café além do campo

Neta e bisneta de produtores de café em Taquaritinga do Norte, Rosilda e Mylena Arnóbio foram para além das plantações. Há pouco mais de um ano elas abriram a primeira - e única - cafeteria da cidade. No local, além de doces e salgados, elas preparam o café produzido pela sua família, o Takwary, de diversas formas: coado, expresso, prensado, entre outros. Os preços são populares e basicamente só cobrem os custos de manter o negócio.

Segundo Mylena, a ideia surgiu com o objetivo de disseminar conhecimento sobre café na região. "Não dá para convidar todo mundo para nossa casa, então a cafeteria tem esse papel. O preço que cobramos é só para manter as portas abertas e conseguir mostrar ao consumidor que nem todo café é igual, que existem maneiras diferentes de preparar e que com isso o sabor também muda", diz ela.

FOTO: RENAN TAVARES/PATRÍCIO LIMA - Mãe e filha criaram a primeira cafeteria da cidade para disseminar conhecimento sobre café

A cafeteria ainda incentiva a visitação turística. A ideia da gestão municipal, por exemplo, é usar o potencial do café na região para atrair o visitantes que desejem conhecer mais sobre o cultivo, os tipos, experimentar os sabores direto na propriedade. O proposta é fazer o turista ter experiências diferenciadas, sentir o cheiro, o sabor e até as dificuldades de se ter um café especial à mesa. Se hoje a principal atividade econômica da cidade está ligada ao polo de confecções dominado pelas cidades vizinhas de Toritama e Santa Cruz do Capibaribe, o turismo puxado pela singularidade do café da região é a aposta para que esse jogo mude.

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