Covid-19 deixa alimentos mais caros, mas seu maior impacto é sobre a renda

Inflação de março foi impactada pelas mudanças provocadas pela crise do coronavírus, mas confinamento das famílias tenderá a reduzir renda e demanda nas próximas semanas
Leonardo Spinelli
Publicado em 30/03/2020 às 17:50
Ovos estão entre os produtos que tiveram alta nos preços por causa do coronavírus Foto: YACY RIBEIRO/JC IMAGEM


Conforme previam os economistas, a inflação de março foi impactada pelas mudanças provocadas pela crise do coronavírus, principalmente nos itens alimentícios e matérias-primas que dependem de commodities, cotadas em dólar. Apesar do pico inflacionário, o grande problema da covid-19 sobre a economia não será nos preços, mas sim na renda das pessoas.

O Índice Geral de Preços ao Mercado (IGP-M) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulgado nesta segunda (30), mostra um avanço de 1,24% na inflação de março, primeiro mês de impacto do coronavírus na economia, depois de um recuo de 0,04% em fevereiro.

As maiores influências vieram justamente de alimentos como ovos (8,78%) , bovinos (3,38%), cenoura (28,38%), tomate (9,65%) e matéria-primas a exemplo da soja (5,03%) e minério de ferro (9,73%).

Rafael Ramos, economista da Fecomércio/PE, diz que a carne vem sofrendo pressão de preços porque é um produto cotado em dólar. Com a desvalorização do real, os produtores passam a preferir vender seus produtos no mercado internacional, gerando um desabastecimento no mercado local, o que infla os preços. E isso termina impactando, inclusive, o preço de outras proteínas, como o ovo. "A gente pode observar a substituição no final do ano passado. A China teve problema de produção de carne e terminaram comprando a nossa, gerando desabastecimento e aumento de preços no mercado local. Então, as pessoas procuram substitutos  próximos e, para a classe mais baixa, este produto é o ovo", comenta.

"A maioria vai ver sua renda diminuir. E isso vale desde a empregada a doméstica e o guardador de carro, ao advogado e médico. Todos vão começar a perder renda e vão ter que fazer escolhas e ficarão mais cautelosos na hora de comprar<aspas> " - André Braz, economista do Ibre/FGV

O economista do Ibre/FGV, André Braz, destaca, no entanto, que esse comportamento não será duradouro e pode ser considerado apenas como o primeiro impacto do coronavírus na economia, com os índices, já em abril, perdendo a pressão inflacionária.

“Houve mudança no padrão de consumo das famílias neste período. As famílias no confinamento tiveram que preparar melhor suas despensas. Não é que estão comendo mais, estão comendo juntos, e isso pede revisão na despensa. Antes as pessoas comiam fora de casa. Agora é dentro de casa. Fora isso, tem gente que comprou pelo medo de privação, de desabastecimento achando que a crise vai demorar. Tudo isso, junto com a desvalorização cambial pressionou os preços, mas é um movimento que não vai durar em abril”, comentou o economista.

YACY RIBEIRO/JC IMAGEM - Tomate teve um aumento de 9,65% no mês de maço, segundo o IGP-M

André Braz acredita que as incertezas a partir de agora tendem a diminuir e o real deverá se estabilizar. Além disso, comenta, não haverá um novo choque de oferta porque as famílias vão passar a comprar apenas o que precisam, desfazendo a pressão sobre os preços dos alimentos. “O choque aconteceu com a mudança repentina no hábito das famílias. Outra parte aconteceu por conta do câmbio, produtos dolarizados passaram a ficar mais caros”, disse. Nos últimos 15 dias o dólar comercial subiu mais de 6%, saindo de R$ 4,813 em 13 de março para R$ 5,103 no último dia 27.

“O comércio agora já conhece a nova demanda e não terá pressão. Além disso, quanto mais tempo as famílias ficam privadas (de circular), menos é o recurso financeiro. Tirando aquelas pessoas que vão receber o salário certo, quem é prestador de serviço, a maioria vai ver sua renda diminuir. E isso vale desde a empregada a doméstica e o guardador de carro, ao advogado e médico. Todos vão começar a perder renda e vão ter que fazer escolhas e ficarão mais cautelosos na hora de comprar”, disse.

Na visão do economista, a inflação não será um problema com o coronavírus. “Mesmo havendo uma carestia, não será duradoura. Isso porque ninguém vai comprar carro, geladeira, bens duráveis de forma geral. Quem está empregado está com medo de perder o emprego e quem ficou desempregado também não vai comprar. Por isso, temos esse primeiro choque na comida, mas não será sustentável no médio prazo. Já em abril vamos ver um outro comportamento”, comentou.

Braz reconhece que para a população de menor renda o desafio será maior, porque os alimentos consomem uma fatia maior de suas rendas, mas mesmo assim, a tendência é que o preço dos alimentos não se mantenham altos ao longo de abril, justamente por causa da menor demanda que será gerada pela menor renda.

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