Coronavírus: O que a pandemia tem a ensinar ao mundo?

Doença trouxe a certeza de que nada está sob controle . Impacto é sentido na economia, no mercado de trabalho e na maneira como nos relacionamos
Adriana Guarda
Publicado em 05/04/2020 às 7:00
Nas confraternizações online, a ideia é manter o clima de descontração que acontece nas "festas da firma" de fim de ano, mas, desta vez, cada um na sua casa Foto: ADRIANA GUARDA/JC IMAGEM


Quando o novo coronavírus surgiu na China, em dezembro do ano passado, parecia uma realidade muito distante de nós. Pelo menos 16 mil quilômetros nos afastavam daquela ameaça viral. Aprendemos a pronunciar Wuhan, o estranho nome da cidade que foi o epicentro da doença e acompanhávamos tudo como espectadores. Rapidamente, o perigo se instalou aqui. O vírus chegou ao Brasil de avião, trazido pela população de classe média em viagem pela Europa. O primeiro caso foi reportado pelas autoridades brasileiras no final de fevereiro, mas depois se confirmou que já havia pessoas infectadas desde janeiro. De repente, nos vimos exilados em nossas próprias casas, impelidos a mudar de hábitos, obrigados a aprender outras formas de trabalhar e de consumir, forçados a controlar o ímpeto afetivo de abraçar, beijar e tocar o outro. A doença nos trouxe a certeza de que nada está sob controle, nunca. De um dia para outro, vimos a economia desmoronar, a saúde virar um caos e nossas fragilidades sociais serem escancaradas. A pandemia da covid-19 transformou o mundo. Nos perguntamos, agora, o que vamos aprender com ela.

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Momento semelhante a esse só aconteceu em 1918, durante a gripe espanhola. Inesperadamente, a noção de futuro foi abreviada e precisamos apressar a transformação digital. O processo, que já era bastante discutido nas empresas, foi abruptamente executado. Designer de Experiências de Aprendizagem pela Kaospilot - Dinamarca e fundador da Nova Expediente, Thiago Mota diz que estamos vivendo uma transformação digital forçada.

“Digitalização de produtos e serviços, que talvez demorasse um ano para acontecer foram operacionalizadas em 15 dias. O home office, muito comum na Europa e nos Estados Unidos, andava devagar no Brasil. Algumas empresas admitiam um dia da semana de trabalho em casa. Essas mudanças serão irreversíveis, até porque os funcionários vão pedir isso. Não vamos mais trabalhar da mesma forma”, acredita, baseado na experiência da Novo Expediente (@novoexpediente), que desenvolve experiências de aprendizagem para ressignificar a relação com o trabalho, gerando inovação na gestão.

Mota também observa que as lideranças vão precisar lidar com problemas complexos. “Os líderes tanto do governo quanto das empresas não poderão mais adotar soluções simples para lidar com problemas complexos. O Fórum Econômico Mundial apontava para 2020, que a principal atividade do futuro seria a solução de problemas complexos e a adoção de soluções criativas”, diz. No conturbado pós-Guerra Fria foi usado pela primeira vez o acrônimo V.U.C.A para questionar como seria o trabalho num mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo. A mesma questão levantamos agora imaginando a ‘reconstrução’ pós-coronavírus.

Em confinamento por causa do coronavírus, a diretora de operações da consultoria Lee Hecht Harrison (LHH), Mariangela Schoenacker conta que esses dias participou de uma conferência virtual com 56 pessoas. Ela acredita que o isolamento social tem muito a nos ensinar, principalmente sobre a necessidade de equilibrar trabalho e vida pessoal. “Esse tempo em casa fez com que as pessoas refletissem, se voltassem mais para dentro de si e começasse a ficar mais perto das pessoas, mesmo estando a distância. Foi preciso uma calamidade mundial para voltar a valorizar o que é importante. Acredito que vamos sair muito diferentes dessa crise”, afirma.

DESIGUALDADE

A covid-19 tirou da invisibilidade, na marra, a população vulnerável do Estado. O governo está sendo obrigado a ampliar, às pressas, a oferta de água na Região Metropolitana do Recife. Pernambuco tem a pior disponibilidade hídrica do País. Como pedir às pessoas que lavem as mãos várias vezes ao dia? A Compesa está investindo R$ 9,5 milhões para beneficiar 250 mil pessoas no curto prazo. O Estado também precisou dar resposta aos moradores em situação de rua, que são 1,6 mil só no Recife. Foram instalados pontos em cinco municípios para que as pessoas possam tomar banho e receber alimentação. A iniciativa, aliás, poderia evoluir de uma medida emergencial para se tornar permanente.

“Esse poderia ser um dos ensinamentos do coronavírus. Nesses momentos de calamidade a Poder Público se dá conta dos problemas. Isso começou num nível emergencial, mas pode se tornar constante. Para que essas mudanças aconteçam também é preciso formar as pessoas para que elas queiram algo melhor, que tenham senso crítico e lucidez”, defende o sociólogo econômico Sidartha Soria e Silva.

GLOBALIZAÇÃO

A globalização do coronavírus também expôs o lado perverso da internacionalização da economia. Hoje os países duelam por materiais, insumos e equipamentos médicos porque a China parou de fabricar por um tempo e segurou a produção para o mercado interno. “No mundo globalizado as fronteiras físicas são inócuas. O freio na China parou de abastecer mais de um terço do mundo e nós paramos de receber. Uma dos aprendizados que fica é o desafio é pulverizar os parceiros e desenvolver o ambiente e a atmosfera de negócios no nosso País. Do ponto de vista econômico, o maior impacto da covid-19 foi travar a economia real. Paralisar boa parte dos negócios e serviços significa que o dinheiro não gira. Se isso acontece temos menos consumo e produção e o resultado termina sendo a recessão, como já é prevista por vários países”, explica o economista e professor do Cedepe Business School, Tiago Monteiro.

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