A polêmica envolvendo a resistência das escolas particulares em aplicar descontos às mensalidades escolares chegou a uma nova fase, a judicialização. O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) entrou na Justiça com a primeira ação civil pública contra uma escola privada do Recife. Existem outros processos, sendo 30 recomendações para escolas localizadas em 29 municípios de Pernambuco. A recomendação é a primeira fase do processo, até chegar a ação civil pública, caso não haja conciliação.
A promotora de Justiça do MPPE e coordenadora do Centro de Apoio às Promotorias de Defesa do Consumidor (Caop Consumidor), Liliane Rocha, explicou que a principal queixa das famílias é a resistência das escolas em negociar. “A gente fez tudo para não judicializar essa questão mas, em não tendo uma reposta positiva por parte das escolas, tivemos que cumprir com nosso papel entrando com a ação em benefício dos pais enquanto consumidores”, explicou a promotora. Caso as ações que pedem redução do valor sejam aceitas pela Justiça, o desconto será aplicado nas parcelas de abril e maio e, no caso de pagamentos já feitos, o desconto será abatido no mês de junho. “Nós não defendemos uma redução linear para todas as escolas e sim que seja aplicado um percentual por escola, baseado na sua redução de custos com a suspensão das aulas, e que esse percentual seja válido para todos os alunos daquela escola”, ressaltou a promotora.
Além de não concederem descontos, há casos de escolas notificadas pelo Ministério Publico por insistirem em continuar cobrando por aulas de judô, ballet, natação que não estão acontecendo. "Na verdade, o que existe é a falta de condições dos pais de pagarem as mensalidades cheias tendo em vista a perda de renda por muitas famílias e o fato de as aulas estarem sendo de forma não presencial, o que provoca redução de custo nas escolas e essa redução não é repassada às mensalidades, o que os pais não acham justo. A partir das reclamações entramos com a investigação e depois com o processo. Vamos entrar com várias outros, por que cada escola tem seu tempo de análise e de resposta e as denúncias não param de chegar”, afirmou Liliane Rocha.
O MPPE já se posicionou, através de uma nota técnica, contra a exigência feita por algumas unidades de ensino que pedem a apresentação de comprovante de renda para iniciar o processo de negociação. “Deve ser levado em conta a perda de renda da família como um todo, e não apenas do responsável financeiro. Se o responsável financeiro do aluno é o pai mas a mãe perde o emprego, a família merece ter essa redução porque a família está todo prejudicada, inclusive com a elevação dos custos da casa por conta do isolamento social”, considerou a promotora.
O administrador de empresas Alexandre Santana, tem duas filhas menores estudando no ensino fundamental em um colégio particular no Bairro da Graças, no Recife. Ele teve uma redução salarial de 25% mas a esposa, que é comerciante, desde o início da quarentena teve que fechar a loja que possui, ficando sem faturamento desde então. Alexandre conta que o colégio deu um prazo de apenas 48 horas para quem quisesse solicitar algum desconto. Além de enviar uma justificativa, era necessário apresentar um comprovante de redução na renda do responsável financeiro do aluno.
“Depois de sete dias eles responderam a quem solicitou o desconto e apresentou os comprovantes exigidos, com abatimentos entre 5% e 20%. No meu caso, eu tive uma redução no salário de 25%, mas meu desconto foi de 20%. Em nenhum momento eles levaram em conta que o desconto aplicado foi inferior a minha perda salarial e nem o fato de minha esposa estar sem poder trabalhar, o que abalou nossa renda familiar. Será que vou ter que deixar de comer alguma coisa para continuar pagando as mensalidades?” afirmou o administrador que já está articulando com outros pais de alunos uma maneira jurídica de pleitear descontos mais justos, segundo ele.
O vice-presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de Pernambuco (SINEPE-PE), que reúne donos de escolas particulares, professor Armando Vasconcelos, ficou surpreso com o processo de judicialização iniciado pelo Ministério Público de Pernambuco. “O nosso posicionamento é de que cada escola tem uma realidade diferente da outra. Tem escola que pode ter uma redução grande de custo, tem escola que pode ter uma redução pequena e outras que tem acréscimo de custo com o início das aulas à distância”. O professo Armando usa como exemplo o colégio de sua propriedade, localizado em Olinda. “Nós gastamos mais de R$ 80 mil em notebooks para que todos os professores tenham ferramentas adequadas para dar as aulas online. Contratamos software e treinamento online para todos os professores. Será que nossa economia de energia elétrica ou de água, neste mês de maio vai compensar esse investimento?”, indagou o empresário.
Quanto a proposta do MPPE de haver um desconto definido para cada escola, o representante do Sinepe considera inviável. “Se esse percentual será baseado na redução de custos com papel, energia, água e outros insumos e isso representa 5% das despesas, você acha que se a escola der 5% para todos os pais, isso representa alguma coisa? “. Armando defende a postura, segundo ele, adotada até agora pela maioria das escolas. Analisando individualmente cada situação para se chegar em um acordo onde seja possível manter o filho na escola. “A nossa palavra de ordem é manter todos os alunos, todos os professores e todos os funcionários. Isto se chama responsabilidade social. Agora, dar 30% de desconto para todos os alunos e querer que a escola continue funcionando é o mesmo que dizer que a escola tem uma margem de lucro de 30%. E isso não existe em lugar nenhum”, afirmou o professor.