Veja quais devem ser as mudanças na forma de consumir após a pandemia do coronavírus

Comércio, cultura, turismo, sustentabilidade. Nada será como antes, dizem os especialistas. Enquanto não houver uma vacina, será preciso se acostumar a uma nova realidade
Edilson Vieira
Publicado em 15/05/2020 às 23:23
Locais de grande aglomeração continuarão sendo evitados. Restrições irão afetar desde uma simples ida ao cinema às viagens de Turismo Foto: Foto: Arquivo/JC Imagem


A forma como consumimos produtos, serviços e entretenimento mudou por conta da necessidade da quarentena causada pelo coronavírus. E vai continuar diferente, mesmo com o fim da pandemia. Como será este momento, já batizado de “novo normal”, ainda é um desafio para a sociedade, e mais ainda para os empresários.

Para o economista Rafael Ramos, da Fecomércio-PE, o consumo represado neste momento não vai significar uma “corrida às compras”, quando o comércio reabrir. “As pessoas ainda estarão com um comportamento conservador, ainda vai demorar um pouco para que se convençam de que tudo passou. A compra de bens essenciais será o foco no primeiro momento. Passado o reinício, e já mais próximo ao final do ano, aí sim, será o momento de consumir mais livremente”, disse Ramos.

Luisi Marques/JC 360 - Rafael Ramos não acredita no crescimento expressivo das vendas online

Rafael também não acredita num incremento significativo nas vendas online. A loja física ainda será a escolha preferencial do cliente por uma questão cultural. “Isto não quer dizer que os comerciantes não devam investir na transformação digital de seus negócios. Devem sim. Mesmo porque o comércio que tiver apenas um canal de vendas não vai durar muito tempo. Eles devem buscar aplicativos, redes sociais ou se associar a marke places de terceiros”, aconselha Ramos.

Suzy Valença sempre foi uma consumidora tradicional mas há pouco mais de um mês decidiu experimentar o serviço de delivery de uma loja de roupas infantis. Ela já era cliente do estabelecimento no Shopping Recife. Com o isolamento social, a loja criou um serviço onde envia para a casa do cliente duas ou três roupas para que seja feita a escolha. “Depois de três dias eles mandam novamente o portador e a gente só paga pela peça que decidiu ficar. É muito cômodo. Acabei fazendo duas compras de roupas para minha filha Alyce, num prazo curto. Quando o comércio reabrir vou continuar usando o delivery se não tiver tempo de ir até a loja”, afirmou Suzy Valença.

CORTESIA - A comerciante Suzy Valença mudou os hábitos de consumo e passou a comprar roupas através de delivery

CULTURA

O entendimento geral é que enquanto não for criada uma vacina para o coronavírus, e boa parte da população mundial for imunizada, qualquer atividade econômica que envolva aglomeração sofrerá restrições de público. Sob essa ótica, os grandes eventos culturais terão que encontrar um novo formato. Desde shows, exposições, teatro e até espetáculos de circo, tudo terá que passar por transformações.

O produtor cultural Paulo André acha que os grandes shows e festivais não voltarão ao normal esse ano, pelo andar da epidemia. “Acho que shows menores, pra pouca gente será uma tendência natural. Nos últimos anos, tenho visto muitos artistas novos, em lugares pequenos, tipo Casa Astral, Iraq, Terra Café, entre outros. Acho que deve aumentar mais ainda esses shows menores” afirmou. Sobre o atual fenômeno das “lives” Paulo André diz que só funciona pra quem tem um mínimo de público ou seguidores virtuais.

O produtor cultural Jarmeson de Lima diz que “o futuro do setor cultural ainda é um incógnita”, mas já há sinais de caminhos alternativos. Ele concorda que, enquanto os grandes eventos ficam impedidos de acontecer, eventos menores poderão servir como laboratório para essa volta, “tanto para ver como o público reage e como será possível manter a segurança sanitária”. Ao mesmo tempo, Jarmeson estima que as lives podem ser monetizadas e servir como forma de mitigar o prejuízo dos artistas, produtores e técnicos, até com caráter beneficente, disse Jarmeson.

As novas formas de consumo podem mexer bastante também com o audiovisual. O jornalista e cinéfilo Ronilson Araújo acha que o cinema vai levar um tempo até se adaptar as restrições que certamente serão impostas às salas de cinema. “Se os cinemas reabrirem com apenas um terço da capacidade da sala podendo ser ocupada, como vem acontecendo em alguns países, talvez não seja viável economicamente. No Brasil, o cinema é um evento social, onde se vai com a turma, com o namorado, ou namorada... se não puder sentar juntinho, não vai fazer sentido para muita gente. Ao mesmo tempo, os grandes estúdios não irão investir em filmes milionários para arrecadarem pouco. Isso pode afetar seriamente a indústria cinematográfica”.

CORTESIA - O jornalista e cinéfilo Ronilson Araújo acredita que a indústria do cinema terá que se render ao streaming

Por outro lado, Ronilson acredita que os serviços de streaming continuarão fortalecidos. “O consumo de séries e filmes pelos serviços on demand foram os grandes beneficiados pela pandemia. Quem não conhecia experimentou e deve se tornar fiel ao formato”, diz o cinéfilo que assina quatro serviços de streaming diferentes.

TURISMO

Segundo um estudo da consultoria Accenture, o Turismo será um dos setores da Economia que mais levará tempo para retomar a movimentação plena após a pandemia. O medo de aglomerações ainda deve perdurar, afastando clientes do setor. As projeções da Organização Mundial de Turismo (WTO) e do Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC) são de perda de 100 milhões de empregos e queda de U$ 2,7 trilhões do PIB turístico. Estas entidades aconselham um socorro emergencial às empresas, por parte dos governos, através de linhas de crédito e isenção de impostos. Além disso, as operadoras precisam estar abertas às mudanças de comportamento de seus clientes e devem comunicar que o destino escolhido é saudável e seguro.

Para Luciana Araújo, professora do departamento de Hotelaria e Turismo da UFPE, acredita-se que a Ásia será uma das regiões mais afetadas pela crise. O retorno do turismo será gradual e com novos padrões e protocolos globais de viagens. Ela acredita ainda que a retomada para o continente europeu acontecerá no verão de 2021, a partir de junho do próximo ano, e os viajantes na faixa de 18 a 35 anos, potencialmente menos vulneráveis ao coronavirus, serão os primeiros a começar a viajar novamente.

"A retomada se dará no turismo doméstico. O retorno pode se dar primeiro por meio de excursões (sem pernoites) e depois viagens num raio de no máximo 500 km. Na Europa, esta distância dá para cruzar fronteiras mas em países com territórios continentais como EUA, Canadá, China, Rússia, Brasil, as viagens serão realizadas em nível local e nacional. Viagens entre regiões e continentes serão as últimas a conhecer o novo normal", afirmou Luciana Araújo.

RESTAURANTES

O segmento de bares e restaurantes também foi muito impactado com a interrupção brusca das atividades. A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) estima perda de 80% do faturamento durante a quarentena e a demissão de 1 milhão de funcionários no País. Em Pernambuco, já aconteceram cerca de 24 mil demissões (10% da força de trabalho). A adoção do delivery representa, no máximo, 20% do faturamento normal, dizem os empresários.

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Para André Araújo, presidente da Abrasel-PE, o desafio da volta não será simples, nem para os empresários e nem para os clientes, que terão que se adaptar as restrições por conta dos riscos de uma nova onda de contaminação. André afirma que a Abrasel já criou os protocolos para reabertura. Haverá uma série de cuidados entre o garçom e o cliente.

"Estamos pedindo a Prefeitura permissão para utilização das calçadas como forma de compensar a perda de espaço. Esperamos que por volta de meados de junho o governo autorize a reabertura dos bares e restaurantes” " - André Araújo, presidente da Abrasel-PE

O guardanapo será sempre de papel, e não mais de pano. No self-service o cliente não poderá mais se servir, ele será atendido por um funcionário com luvas e máscara. Sem falar no espaçamento de 1 metro entre as cadeiras e 2 metros entre as mesas, o que vai reduzir a ocupação dos ambientes. “Estamos pedindo a Prefeitura permissão para utilização das calçadas como forma de compensar a perda de espaço. Esperamos que por volta de meados de junho o governo autorize a reabertura dos bares e restaurantes”, espera Araújo.

SUSTENTABILIADE

“O mundo agora, mais do que nunca, precisa de todo mundo”. A frase é de Luciana Nunes, empreendedora e curadora do SeInspire, hub de criatividade sediado no Bairro do Recife; Luciana acredita que, a partir da pandemia, estamos tendo oportunidade de repensar tudo. “Aquilo que a gente achava normal era uma lógica equivocada. Não podemos pensar em voltar a uma dinâmica que criou esse caos. Em nome de uma economia, de uma modernidade questionável. Teve que acontecer esse despertar. Foi essa economia que nos trouxe a crise climática, a injustiça social, é isto que a gente quer de volta e espera?” questiona.

Para Luciana uma nova dinâmica passa pelo consumo responsável, pelas cidades integradas, pela solidariedade. “Aprendemos com a pandemia a mudar hábitos, a valorizar o comércio do bairro, a usar menos o carro, ou não usar. Nossas ações impactam diretamente no planeta. Ou a gente muda ou a natureza vai nos forçar a mudar, como está acontecendo agora”, pondera.

CORTESIA - Sérgio Xavier, ambientalista

Para Sérgio Xavier, ex-secretário do meio ambiente de Pernambuco, e desenvolvedor do Sistema Circularis, plataforma de inovação para Economia Circular, é preciso aproveitar o momento para criar uma economia antipandemia, exatamente o contrário do que tivemos até hoje, diz. “Uma economia que regenere em vez de degradar, que inclua em vez de excluir. O modelo atual vive em constante risco de colapso. Seja o risco social, com muito desemprego, seja o risco de saúde. Cerca de 7 milhões de pessoas morrem todos os anos no mundo por problemas respiratórios causados por poluição. Aí vem um novo vírus, fruto de uma degradação ambiental, e complica ainda mais esse quadro”, avalia Xavier.

Nesta nova economia as empresas não entram em choque com a natureza, mas se harmonizam com ela. É o caso das energias renováveis que substituem o modelo exploratório e poluente do petróleo. Em vez de poluir oceanos e o ar, a energia renovável aproveita o potencial ambiental, como o que existe no semiárido nordestino, para abrigar usinas eólicas e solares, gerando empregos numa região carente.

A economia circular, encerra por si mesma uma cadeia de produção, com reaproveitamento e reuso de materiais e recursos naturais. “A retomada da economia tem que ser no rumo da sustentabilidade, olhando a longo prazo. Há economista no mundo que pregam que a economia tem que ser equalizada. Uma empresa dos novos tempos, não deve perseguir apenas o crescimento baseado no consumo e sim, buscar uma equalização, um crescimento vertical, sustentável, com compromisso e responsabilidade ambiental e social”, explica Sérgio Xavier.

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