No balanço dos casos de covid-19 entre as populações indígenas, os números continuam escalando entre os Fulni-ô. No quarto boletim, divulgado na última sexta-feira (15) pela Rede de Monitoramento de Direitos Indígenas em Pernambuco (Remdipe), foram registrados 13 casos e dois óbitos, além de mais duas mortes suspeitas. Do total de infectados, quase metade (6) é de profissionais de saúde. Além da condição geográfica não favorecer o distanciamento da cidade, a comunidade não conseguiu implementar medidas de isolamento social como outros povos.
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“É muito triste ver nosso povo morrendo. Ontem mesmo (na última quinta-feira) saiu daqui o corpo de uma índia idosa. Faleceu às 9h e às 12h já levaram pra enterrar. Tudo rápido por causa dessa doença. Ainda é um caso suspeito, mas vão fazer o teste. Nossa dificuldade aqui é que a aldeia fica muito perto da cidade. É como se fosse uma periferia da área urbana”, explica o cacique Cícero Fulni-ô.
Ele diz que outra dificuldade é adotar a estratégia das barreiras para evitar a entrada de pessoas estranhas ao território e controlar o deslocamento das pessoas da aldeia. “A divisa da aldeia pra cidade é um rio poluído. Por trás da aldeia tem a BR e ao redor dessa BR estão construindo casas. Nós ficamos presos porque o não-indígena está invadindo o território. Sem falar que são cinco entradas pra controlar”, detalha.
De acordo com a Remdipe, o número de casos entre os Fulni-ô é altíssimo. Levando em consideração que a população é de 4.529 pessoas, são 2,9 casos para cada 1.000 indígenas.
A alternativa que os Fulni-ô têm para manter o distanciamento social é se mudar para o Retiro Ouricuri, que fica seis quilômetros distante da aldeia. Sem energia elétrica, o lugar tem casas de alvenaria para abrigar as famílias da aldeia, mas homens e mulheres precisam ficar separados. “É o nosso lugar sagrado e de proteção. Ficamos lá com um lampião acesso refletindo e fazendo nossas orações. Lá também fazemos nossos rituais, porque, se temos que cumprir as regras da pandemia, também vamos continuar seguindo as nossas. Mas é necessário que as pessoas queiram ir”, pontua.
No território dos índios Pipipã, na zona rural de Floresta, o isolamento social também não teve muita aceitação entre os indígenas. “Tentamos fazer um primeira barreira, mas fomos muito questionados e retiramos. Depois, as mulheres se reuniram e convenceram os homens a fazer outro bloqueio, mas as pessoas continuaram desobedecendo. Até que desistimos das barreiras e orientamos os indígenas a ficarem nas suas casas”, conta o cacique Valdemir Pipipã. Para se distanciar, os índios estão saindo de casa pela manhã e improvisando acampamentos nas suas terras, debaixo das árvores, onde passam o dia e só voltam à noite para dormir.