O endividamento das famílias brasileiras aumentou durante a quarentena, batendo novo recorde em junho. A inadimplência também está em alta. Os dados são da Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic Nacional), apurada mensalmente pela Confederação Nacional do Comércio (CNC). Os dados são coletados em todas as capitais dos Estados e no Distrito Federal, com cerca de 18 mil consumidores.
Para a economista da CNC, Izis Ferreira, o contexto de endividamento atual é diferente do que era antes da pandemia. Como o comércio não essencial ainda está operando muito abaixo da capacidade, com reabertura gradual em várias cidades, o endividamento crescente das famílias não tem a ver com a aquisição de bens. “Antes da crise, as famílias se endividavam pela compra à prazo de produtos duráveis, como financiamento de automóveis, por exemplo. Com a pandemia a renda das famílias foi muito afetada. Então as pessoas agora estão buscando o crédito para pagar as contas da casa e manter algum nível de consumo de itens básicos como alimentos e remédios”, explica Izis Ferreira.
Segundo a pesquisa, o percentual de famílias com algum tipo de dívida (cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, empréstimo pessoal, prestação de carro e seguro) alcançou 67,1% neste mês de junho, significando um aumento de 0,6 ponto percentual em relação aos 66,5%, observados em maio, e de 3,1 pontos percentuais comparados aos 64,0% registrados em junho de 2019. A proporção de endividados em junho é a maior da série histórica, iniciada em janeiro de 2010.
O percentual de famílias com contas em atraso chegou a 25,4% neste mês de junho, o maior desde dezembro de 2017, avançando 0,3 ponto percentual, na comparação com o mês passado, e 1,8 ponto percentual em relação a junho de 2019. Já as famílias que declararam não ter condições de pagar suas dívidas em atraso, permanecendo inadimplentes, representam 11,6%, o maior percentual desde novembro de 2012. O crescimento neste item foi de 1,0 ponto percentual, em relação a maio, e de 2,1 pontos percentuais em comparação a junho do ano passado.
Para a economista, o cenário até o final deste ano será o de recuperação lenta do poder aquisitivo, ajudado pelos recursos vindos do governo federal, como o auxílio emergencial e a liberação de parte do FGTS. “O coronavoucher tem sido importante para manter o consumo básico das famílias. Além disso, estamos com a inflação muito baixa, e até deflação, o que tende a reduzir a taxa de juros do crédito, apesar de os bancos estarem com uma expectativa de inadimplência mais alta”. Izis afirma ainda que pouco mais de 30% dos ganhos das famílias estão comprometidos com pagamento de dívidas. “É o maior nível desde 2017, porém ele está abaixo do pico histórico, que foi de 31,9% em 2015”.
A economista da CNC admite que o foco do consumidor, no momento, está em itens essenciais, por isso ela projeta para o último trimestre deste ano a volta do interesse pelos itens de maior valor. “A reabertura do comércio em si não significa que o consumo vai voltar aos níveis pré crise tão rapidamente. Lá na CNC, até março deste ano, projetávamos um crescimento do varejo pouco acima de 5% este ano, agora a estimativa é de que o volume de vendas vai cair próximo dos 10% em 2020, em função do acumulo de perdas desses dois trimestres. O comerciante pode esperar o começo da retomada para 2021, puxado pelo aumento na demanda das famílias”, assinalou.
A pesquisa indicou que o endividamento cresceu entre as famílias de menor renda e caiu um pouco nas de maior poder aquisitivo. Entre os que ganham até dez salários mínimos, o percentual de endividamento passou de 67,4% em maio para 68,2% em junho. Para as famílias com renda acima de dez salários mínimos, as dívidas são uma realidade para 60,7%. Em maio essa proporção era de 61,3%. “Para as famílias mais ricas, o receio em relação ao futuro no curto prazo é maior, fazendo com que elas poupem mais o seu dinheiro. Já as de menor renda, que perderam o emprego ou parte do salário, estão demandando mais crédito por necessidade de recompor essa renda”, explica Izis Ferreira.
O tempo médio de comprometimento com dívidas entre as famílias endividadas foi de 7,4 meses, maior prazo médio desde dezembro de 2013. A proporção de 21,6% delas está comprometida com dívidas de até três meses, e 34,8% por mais de um ano. A proporção de famílias com dívidas vencendo em até 3 meses vem caindo desde março deste ano, enquanto a proporção de endividados com compromissos financeiros acima de um ano vem crescendo desde o início do segundo trimestre de 2020.
O cartão de crédito segue apontado, em primeiro lugar, nos principais tipos de dívida por 76,1% dos endividados, ante 76,7% em maio e 78,8% em junho de 2019. Em seguida, estão os carnês, para 17,4%, e, em terceiro, financiamento de veículos, para 11,7%. Enquanto o cartão de crédito tem perdido espaço na composição do endividamento nos últimos meses, outros perfis, como crédito consignado, crédito pessoal, e as modalidades de financiamento têm aumentado entre os tipos de dívida.