A emergência do auxílio pago pelo governo federal durante a pandemia do novo coronavírus virou desesperança para muitos brasileiros. De abril - quando o programa foi criado - até agora, já se passaram cinco meses. Nesse período, a Caixa Econômica Federal contabiliza mais de 40 milhões de pedidos negados, envolvendo pessoas que, seguindo os critérios do programa, veem-se no direito ao alento financeiro. Não bastasse a demora enfrentada há meses atrás para acessar os canais disponibilizados pela Caixa e ter uma avaliação sobre o pedido na Dataprev e Ministério da Cidadania, esses beneficiários enfrentam mais uma longa espera, agora, na justiça. Só na Defensoria Pública da União em Pernambuco, dos atendimentos remotos por WhatsApp, estão represadas 18 mil conversas. Dos processos de assistência jurídica sobre o auxílio já instaurados, mais de 70% não foram judicializados e, mesmo quando se chega a uma sentença, os prazos definidos para pagamento em decisões judiciais não têm sido cumpridos. O governo já foi notificado em mais de 43 mil ações.
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Era sete de abril quando Fernanda Pereira, 31 anos, deu entrada no benefício. “Eu trabalhava de carteira assinada. Fui demitida no dia 31 de março, mas sem direito ao seguro-desemprego porque só estava há três meses na empresa”, conta. Mãe solo de duas crianças, esperava conseguir R$ 1,2 mil para manter a renda durante a fase mais crítica, até então, da pandemia em Pernambuco. “Primeiro eu tive o auxílio negado por, segundo eles, ter uma renda acima de três salários mínimos. Na minha casa somos meus filhos e eu, que tinha uma salário de R$ 1,5 mil. Eu nunca pedi nada ao governo. Só fui fazer isso por necessidade. Já tive que me mudar, porque moro de aluguel, para uma casa menor com os meninos e cortei um monte de despesa”, detalha.
Atendida na DPU em maio, Fernanda conseguiu no dia 27 de junho (mais de um mês depois) uma decisão judicial liminar garantindo o pagamento do auxílio, e no valor de R$ 1,2 mil. Até então, conseguiu dois depósitos de R$ 600, mas não recebeu o restante devido. “O dinheiro que peguei da rescisão comprei material de unhas e estou me virando. O governo não cumpriu a parte dele. Na verdade, já estou sem esperança”, lamenta Fernanda.
Números da DPU em Pernambuco
ATENDIMENTOS: 9.811
Recife: 7.147
Petrolina: 1.583
Caruaru: 1081
PROCESSOS DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA: 2.977
Recife: 1.798
Petrolina: 687
Caruaru: 492
PROCESSOS JUDICIALIZADOS: 756
Recife: 479
Petrolina: 218
Caruaru: 59
Fonte: DPU
A 14ª Vara Federal de Pernambuco estipulou multa diária de R$ 50 (limitada a R$ 3 mil) a partir do 6º dia a contar da intimação ao governo federal. Desde o dia 28 de julho, fora dado 10 dias para o governo se manifestar sobre o não cumprimento da decisão. Até hoje, nada.
O caso de Fernanda é um dentre 756 processos de assistência jurídica judicializados pela DPU no Estado. O número deveria ser até maior, se não fosse a falta de capacidade, reconhecida pela própria defensoria, para agilizar os atendimentos. “Temos dois números para receber ligações e um para receber mensagem de WhatsApp. Estamos atendendo remotamente por conta da pandemia. Dessa forma, nesses números, somando os dois telefones de ligação mais o whatsApp, temos conseguido contactar 280 pessoas por dia. Esse é o nosso ritmo”, explica o defensor público-chefe no Recife, José Henrique Bezerra Fonseca.
Sem nenhum incremento de pessoal ou tecnologia, a DPU tem usado a mesma infraestrutura para dar conta de uma demanda incontavelmente maior. “Temos atendido cerca de 100 telefones e 180 mensagens no WhatsApp (ligando de volta para a pessoa) por dia. Hoje, temos um passivo enorme. Só no WhatsApp são 18 mil conversas que nem conseguimos visualizar”, afirma o defensor.
De acordo com números da própria DPU, até o último dia 13 tinham sido realizados 9,8 mil atendimentos. Desses, 2.977 se transformaram em processos de assistência jurídica, instaurados na DPU. À Justiça, chegaram só 756 processos. “Analisamos se a pessoa de fato tem direito ou não. Há também outros casos que conseguimos resolver extrajudicialmente. Temos dado o nosso máximo, reforçando o atendimento, tirando pessoas de outros setores, melhorando o fluxo, mas é humanamente impossível. A negação dos pedidos foi feita de forma automatizada pela Dataprev, enquanto a reanálise para contestação tem sido feita por pessoas, analisando caso a caso”, justifica. A DPU completou 25 anos em 2020, mas ainda não tem carreira de apoio e depende de orçamento anual de R$ 550 milhões, congelado por 20 anos a partir de 2017 devido ao teto de gastos.
A unidade da capital pernambucana atua com 10 defensores públicos federais na primeira instância da Justiça Federal. Conforme a DPU, após o primeiro contato, em até 15 dias, pode ser aberto o processo de assistência jurídica. Isso levando em conta o sucesso na junta dos documentos necessários, que tem sido um obstáculo a mais aos beneficiários.
Caminhos para judicializar o auxílio:
DPU
(81) 99243-4165 e (81) 3194-1200, de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h30. O serviço também é oferecido por mensagem via WhatsApp, das 8h às 15h, através do número (81) 99515-6936
JFPE sem advogado (Atermação)
Orientações no site da JFPE
Advogado
Ajuizando a ação por meio de advogado, o profissional repassará as medidas a serem tomadas
Descumprimento das decisões
As dificuldades para atendimento na DPU são apenas uma parte de todo o problema que tem sido enfrentado pelos beneficiários, por direito, que estão em busca do auxílio emergencial. Chegada à justiça a demanda e, mesmo com sentenças favoráveis ao pagamento proferidas, o governo federal tem descumprido as decisões judiciais, tornando via de regra o “saiu, mas não levou” nesses casos.
A defensoria é um dos canais para se chegar à justiça, há possibilidade de requerer o pagamento via ações judiciais sem advogados ou pagando por eles. As varas da Justiça Federal de Pernambuco contabilizam até então 2,6 mil ações relativas ao auxílio emergencial. De acordo com a JFPE, “o total de processos inclui as atermações, quando o autor não possui representação de advogado ou defensor público, além das ações representadas pela DPU e por advogados”. Questionada sobre as decisões proferidas, a JFPE diz que “o sistema não é capaz de filtrá-las”.
Número de processos
Em Pernambuco, a JFPE contabiliza 2 ,6 mil ações relativas ao auxílio emergencial, incluindo atermações e ações representadas pela DPU e por advogados
A AGU tem notificações em 43.444 processos judiciais. Pelo menos 8.545 casos foram encaminhados ao Ministério da Cidadania para pagamento
Fontes: JFPE/AGU
Essas ações, somam-se a um volume total de 43.444 processos judiciais em todo o País cujas notificações já foram feitas à Advocacia-Geral da União (AGU). Desse total, no entanto, os órgãos da Procuradoria-Geral da União (PGU), que integra a AGU, enviaram só 8.545 casos até então para pagamento por parte do Ministério da Cidadania.
“Temos conseguido alguns bons resultados e decisões liminares favoráveis. Agora é que começaram a chegar as primeiras sentenças, mas há uma dificuldade do cumprimento da decisão pelo governo. Tem decisões lá que diz ‘pague o benefício em 10 dias, uma parcela em cinco dias…’ Acaba o prazo, o governo não paga e temos que apresentar uma petição, o juiz aplica multa, a AGU peticiona também alegando dificuldades operacionais e se torna aquela coisa de ‘saiu, mas não levou’. Temos conseguido várias ações favoráveis, mas sem serem cumpridas”, reclama o defensor público-chefe do Recife.
Para não prescrever, o prazo para entrar com ação na justiça é de 5 anos, mas o ideal é que não se chegue a esse extremo em se tratando do auxílio, diz o defensor. "É um auxílio emergencial, para as pessoas terem nesse momento dificuldade. O governo por inúmeras razoes indeferiu vários pedidos e o que está acontecendo no País inteiro é um represamento enorme, que vai fazer muitas pessoas serem atendidas daqui a quatro ou cinco meses, vindo a receber um valor retroativo num momento que já não é o mais oportuno", prevê.
De acordo com a AGU, “assim que são intimados de decisões judiciais, os advogados da União imediatamente as encaminham ao Ministério da Cidadania, por ofício ou atualmente por meio de comunicação por sistema específico desenvolvido pela Dataprev”. A advocacia reforça que “diversas medidas têm sido adotadas para atender de forma célere e efetuar os créditos nas contas, mas há que se considerar, porém, a quantidade de casos e a necessária segurança para que os pagamentos sejam feitos de forma correta.”
Questionado, o Ministério da Cidadania disse em nota que os recursos investidos no pagamento do auxílio emergencial, em virtude de decisões judiciais, somam, até o momento, R$ 28,5 milhões com atendimento a mais de 9,7 mil beneficiários. Ao ser perguntado sobre o porquê do descumprimento das sentenças judiciais, o ministério afirmou não haver "falta de recursos para o pagamento". "O Governo Federal editou quatro Medidas Provisórias que garantem mais de R$ 250 bilhões para o pagamento do benefício."
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