A pandemia do novo coronavírus ainda não acabou. Seja pelo lado sanitário ou econômico, embora a maioria dos municípios brasileiros já avançaram no que diz respeito a uma maior flexibilização da rotina da população, os impactos das medidas para conter a covid-19 ainda irão reverberar. Na economia, a pandemia baqueou as receitas das cidades e, consequentemente, desmantelou o planejamento pelo lado das despesas. Segundo o relatório Multi cidades - Finanças dos Municípios Brasileiros, da Frente Nacional de Prefeitos (FNP) o resultado só não foi pior por conta da melhor situação fiscal do primeiro trimestre de 2020 e o socorro federal aos municípios. Para o ano que vem, sem esses suportes, a previsão é de um cenário mais negativo. A expectativa é de que haja queda recorde do investimento, comprometendo a geração de empregos e desafiando os recém-eleitos prefeitos na administração dos municípios.
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Analisando os números do primeiro semestre de 2020, o relatório da FNP aponta que, na média, houve aumento de 2,2% na Receita Corrente Líquida (soma de todas as receitas tributárias) no somatório do conjunto dos municípios. A situação vinha se mantendo considerável frente os números crescentes de 2018 e 2019, respectivamente, 5% e 6,5%. Com a pandemia, intensificada entre os meses de abril, maio e junho no Brasil, a RCL caiu 1,7%, e poderia ter ido a -7,2% se não fosse a ajuda dos auxílios federais e a receita tributária do primeiro trimestre deste ano.
Receita dos municípios
Itens da receita * Receita total em bilhões (2018) * Receita total em bilhões (2019)* variação %* variação em bilhões * participação na receita total (2019)
Receitas correntes *617,98 * 658,33 * 6,5% * 40,35 * 96,5%
ICMS * 118,34 * 122,77 * 3,7% * 4,44 * 18,0%
IPVA * 22,24 * 22,51 * 1,2% * 0,27 * 3,3%
FPM * 107,45 * 112,82 * 5,0% * 5,37 * 16,5%
Transferência SUS * 64,85 * 65,63 * 1,2% * 0,78 * 9,6%
Receita tributária * 152,98 * 164,29 * 7,4% * 11,31 * 24,1%
ISS* 66,34 * 71,55 * 7,8% * 5,20 * 10,5%
IPTU * 46,29 * 49,86 * 7,7% * 3,58 * 7,3%
ITBI * 11,68 * 12,52 * 7,2% * 0,84 * 1,8%
IRRF * 17,18 * 18,15 * 5,7% * 0,97 * 2,7%
Taxas * 11,50 * 12,21 *6,2% * 0,71 * 1,8%
Cosip * 9,70 * 10,58 * 9,1% * 0,89 * 1,6%
Outras receitas correntes * 142,42 * 159,73 * 12,2% * 17,31 * 23,4%
Receitas de capital * 21,97 * 24,48 * 11,4% * 2,51 * 3,6%
Transferências da União * 9,42 * 6,94 * -26,4% * -2,49 * 1,0%
Transferências dos estados * 3,94 * 2,99 * -24,0% * -0,94 * 0,4%
Operações de crédito * 5,63 * 9,22 * 63,7% * 3,59 * 1,4%
Outras de receitas de capital * 2,98 * 5,33 * 79,0% * 2,35 * 0,8%
Receita total * 639,40 * 682,05 * 6,7% * 42,65 * 100,0%
Fonte: Anuário Multi cidades
“No total dos municípios houve crescimento de 5,7% no primeiro trimestre de 2020 frente o mesmo período de 2019. Nas cidades com mais de 500 mil habitantes, o crescimento foi melhor ainda (7,3%). Recife está nesse grupo de cidades que estavam indo melhor. No fim das contas, o primeiro semestre terminou de forma positiva para todo o mundo, não só em função dos auxílios, mas do bom desempenho das receitas”, avalia a economista e editora do anuário Multi Cidades Tânia Villela.
Somando-se à ajuda do governo federal para compensar as perdas dos municípios, que
deve fechar novembro com um repasse total de R$ 42,2 bilhões, estão, no primeiro trimestre, a quota-parte do ICMS e o ISS, com incremento real de 6,7%; o IPTU, ampliação de 4,3%; recolhimento do ITBI (0,2%) e o IPVA, que subiu 8,1%. O Fundo de Participação dos Municípios (FPM) já havia encolhido 1,3% nos primeiros três meses de 2020, caindo 19,1% no segundo trimestre. Assim como ISS (-16,8%); IPTU (-15,8%); ITBI (-24,4%); ICMS (-15,1%) e IPVA (-21,8%) no mesmo período.
“Quando analisamos mais profundamente, o resultado não foi uniforme entre as cidades. As grandes cidades, mesmo com auxílios federais, tiveram queda de 4,3% na RCL. Foi um trimestre de muita incerteza, municípios acabaram aumentando os gastos com saúde. Só no primeiro semestre o crescimento foi de 11,5% da despesa com saúde, enquanto no total a receita cresceu 2,2%. A pandemia interrompeu essa trajetória de situação fiscal razoável nos municípios, que vinha sendo trilhada desde 2018”, aponta Tânia.
DESPESA
Com impacto na receita, o gasto municipal também sofreu desaceleração da despesa (0,3%) no terceiro bimestre de 2020 (maio e junho). O desembolso havia crescido 4,2% no primeiro bimestre e 7,8% no segundo, quando comparado com igual período de 2019. Para o professor do curso de Ciências Econômicas do Ibmec no Rio de Janeiro Ricardo Macedo , num primeiro momento não é exagero dizer que os prefeitos irão enfrentar “um cenário de terra arrasada”. “Quem assumir uma prefeitura, além de ter poucos recursos, tem que descobrir novas fontes de receita. O poder público municipal tem que fiscalizar mais, renegociar dívidas e recuperar receitas para fazer o caixa fluir”, resume.
Evolução da Receita Corrente Líquida do Recife * Ano
4.604.726,2 * 2015
4.387.975,4 * 2016
4.550.373,3 * 2017
4.555.976,8 * 2018
4.733.120,3 * 2019
Variação entre 2018 e 2019 = 3,9 %
Receita Corrente Líquida Per Capita em 2019 = 2.876,01
Evolução da Despesa Total do Recife * Ano
4.978.702,2 * 2015
4.390.986,5 * 2016
4.452.492,1 * 2017
4.678.493,8 * 2018
5.017.038,2 * 2019
Variação entre 2018 e 2019 = 7,2
Despesa Total Per Capita 2019 = 3.048,52
Itens da receita (Recife)
ICMS
811.840,5 (2018)
810.709,4 (2019)
-0,1% (variação)
17,1% (participação na receita)
492,61 (valor per capita)
IPVA
227.384,2 (2018)
234.437,9 (2019)
3,1% (variação)
5,0% (participação na receita)
333,15 (IPVA por veículo)
FPM
584.326,1 (2018)
608.785,6 (2019)
4,2% (variação)
12,9% (participação na receita)
369,92 (valor per capita)
ISS
881.436,9 (2018)
904.599,9 (2019)
2,6% (variação)
44,2% (participação receita tributária)
19,1% (participação receita corrente)
549,67 (valor per capita)
IPTU
468.854,0 (2018)
513.018,9 (2019)
9,4% (variação)
25,1% (participação receita tributária)
10,8% (participação receita corrente)
311,73 (valor per capita)
Fonte: Anuário Multi cidades
Saltando fora da curva, em relação às despesas, os municípios já lidam este ano com os gastos adicionais com saúde e assistência social, demandando R$ 9,02 bilhões suplementares no primeiro semestre de 2020, o equivalente a ¼ de toda a arrecadação de IPTU dos municípios. Os níveis de investimento na infraestrutura municipal, mesmo com os problemas de receita, foram sustentados no primeiro semestre. A alta foi de 38,7%, com R$ 4,83 bilhões de recursos adicionais. Isso se deve, em grande medida, ao ingresso extra de recursos via operações de crédito, que mais do que dobraram no período, com alta de 102,6%, segundo o estudo da FNP. Os investimentos contaram ainda com as transferências de capital da União e dos estados para serem aplicados em obras e equipamentos. Esses recursos cresceram 43,9% no primeiro semestre.
“Os Investimentos não caíram, continuam crescendo. Este é o último ano de mandato dos prefeitos, já havia uma série de programação de investimentos. Agora, o que vai acontecer em 2021 é que o nível vai ser o menor já visto em toda a série histórica. Não teremos mais os auxílios federais em 2021, o desemprego vai continuar alto, economia crescendo muito lentamente; Tudo isso gera dificuldade para recuperação da receita. Os novos prefeitos têm um grande desafio. Poderão ter de privilegiar gastos sociais, e veremos cidades menos cuidadas no que diz respeito à limpeza urbana, pavimentação ou zeladoria como um todo”, alerta a editora do anuário.
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