MERCADO DE TRABALHO

Pandemia de covid-19 atrapalha estudantes na corrida por estágios e emprego

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um a cada três jovens entre 18 e 24 anos está procurando um emprego ou estágio para chamar de seu, e dando com a cara na porta

Marcelo Aprígio
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Marcelo Aprígio
Publicado em 14/02/2021 às 18:00
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56% dos candidatos de até 24 anos não são chamados para uma entrevista de emprego desde 2018, segundo pesquisa - FOTO: Foto: Rafael Neddermeyer / Fotos Públicas
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A inserção no mercado de trabalho, que já é uma etapa complicada naturalmente, tornou-se ainda mais difícil com a pandemia de covid-19. A dificuldade começa bem antes de sair da faculdade. Tanto é que estudantes enfrentaram e ainda enfrentam os desafios de encontrar seu lugar no mercado profissional em meio ao isolamento social e à obrigatoriedade de home office para muitas empresas. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um a cada três jovens entre 18 e 24 anos está procurando um emprego ou estágio para chamar de seu, e dando com a cara na porta. Trata-se da maior média já registrada desde 2016, quando a entidade começou a fazer este levantamento. Um recorde que ninguém gostaria de bater.

Já um estudo do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) mostra que os primeiros meses da pandemia foram os mais difíceis. Em abril, a contratação de estagiários caiu 83%. E, mesmo com um aumento gradual das ofertas de emprego, a realidade ainda está longe do patamar de 2019. Entre janeiro e outubro, foram 38% de contratações a menos.

“Com cada vez mais dificuldades em encontrar um estágio profissional, os jovens começam a enfrentar entraves na entrada no mercado de trabalho já que em certas formações o estágio profissional é obrigatório”, afirma coordenador do Núcleo de Carreiras da Unit-PE, Joebson Oliveira.

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Pandemia atrapalha estudantes na corrida por estágios | Maurício Santos, de 26 anos - ACERVO PESSOAL

Além da escassez de novas contratações, houve uma tempestade de demissões. Foi o que aconteceu com Maurício Santos, de 26 anos. O estudante do curso técnico em química no IFPE estava há um ano e sete meses estagiando em uma empresa de cosméticos em Igarassu, no Grande Recife, quando recebeu, em novembro, a notícia de que seria demitido por causa de uma redução de custos na empresa, fortemente impactada pela pandemia. “A demissão veio de uma hora para outra. Foi um baque. Eu, inclusive, havia Recebido a promessa de que seria efetivado agora em 2021”, conta ele.

Nos últimos meses, Maurício já participou de três processos seletivos e não conseguiu passar em nenhum. O motivo é que ele se forma no próximo mês de junho, e as empresas não a querem contratar exatamente por estar no fim de curso. “Teriam que me demitir ou me efetivar com pouco tempo de empresa. Nas vagas CLT, querem que eu esteja formado e que tenha experiência; mas, para conseguir experiência, preciso trabalhar. Caí nesse ciclo cansativo e sem fim e preciso trabalhar para pagar a faculdade e dar uma força aos meus pais nas contas de casa.”

A necessidade de ajudar nas despesas da família é uma realidade compartilhada por quase todos os estagiários. É o que revela um levantamento da Companhia de Estágios, uma empresa de recursos humanos especializada na área. 75% dos estagiários contribuem com o orçamento familiar. E estamos falando daquele bolsa magrinha de estagiário, visto que, segundo a mesma pesquisa, 53% recebem até um salário mínimo.

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Pandemia atrapalha estudantes na corrida por estágios | CEO da Companhia de Estágios, Tiago Mavichian - DIVULGAÇÃO/CIA DOS ESTÁGIOS

A pandemia pressionou ainda mais a parte financeira, já que os pais de muitos desses jovens também perderam o emprego ou sofreram redução salarial. “Procurar um estágio para complementar a renda não chega a ser uma situação grave, mas acende um sinal amarelo. Ele vai deixar de fazer um curso ou comprar um livro para contribuir com arroz e feijão. E o foco do estágio não deveria ser esse, e sim a busca por experiência para complementar a formação”, diz o CEO da Companhia de Estágios, Tiago Mavichian.

Sem oportunidades

A pesquisa da Companhia de Estágios identificou também que 56% dos candidatos de até 24 anos não são chamados para uma entrevista de emprego desde 2018. E, quando parecia que não tinha mais para onde piorar, veio a pandemia. Lara Oliveira, de 27 anos, faz parte do grupo que está sem estágio há mais de um ano.

Estudante de Letras de uma faculdade privada do Recife, ela não consegue uma vaga no mercado desde julho de 2019, quando legalmente poderia começar um estágio. “Mando currículo todos os dias, de domingo a domingo, mas a maioria nem responde. No meu curso, o estágio é obrigatório, quanto mais tempo passo para encontrar um, mais tarde saio da faculdade”, lamenta ela.

De acordo com o especialista em RH Lauro Buarque, da Consult Human, empresa especializada em consultoria e recrutamento, os cenários apresentados têm a ver com baixo crescimento econômico. Se o Brasil voltar a crescer, tudo pode mudar de figura. “A ausência de um crescimento econômico expressivo nos últimos anos impede que as empresas absorvam todos os jovens que estão entrando no mercado. Não tem espaço. Além disso, os profissionais mais velhos estão se aposentando cada vez mais tarde, porque o valor pago pelo INSS não é suficiente para se manter”, afirma Lauro.

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Joebson Oliveira: 'Outra questão, que pode dificultar a contratação de estagiários e muitas vezes não recebe a atenção adequada: o currículo' - DIVULGAÇÃO/UNIT-PE

Mas, na avaliação de Joebson Oliveira, do Unit, há outra questão, que pode dificultar a contratação de estagiários e muitas vezes não recebe a atenção adequada: o currículo. “O profissional deve preencher o currículo as principais informações gerais sobre si e, com um histórico acadêmico, experiência profissional e informações complementares, como trabalhos voluntários, hobbies e atividades que ajudem a apresentar o perfil do candidato”, explica ele, ressaltando que palavras-chave também são importantes, pois muitas empresas adotam sistemas artificiais para ler os currículos.

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DEU RUIM Estudante de Química, Maurício foi demitido do estágio mesmo após promessa de contratação - FOTO:ACERVO PESSOAL
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Mando currículo todos os dias, de domingo a domingo, mas a maioria nem responde. No meu curso, o estágio é obrigatório, quanto mais tempo passo para encontrar um, mais tarde saio da faculdade", conta a estudante de Letras, Lara Oliveira - FOTO:ACERVO PESSOAL
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Com mais dificuldades em encontrar um estágio profissional, os jovens enfrentam entraves na entrada no mercado de trabalho, já que em certas formações o estágio profissional é obrigatório", afirma Joebson Oliveira - FOTO:DIVULGAÇÃO/UNIT-PE
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SALÁRIO Mavichian, da Companhia de Estágio, alerta que a renda não deveria se o principal foco do estudante - FOTO:DIVULGAÇÃO/CIA DOS ESTÁGIOS

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