A crise sanitária da covid-19 alterou o perfil dos empreendendores no País. No ano passado, a quantidade de empreendedores caiu 20% no território nacional. Houve uma diminuição da quantidade de empreendedores estabelecidos (com mais de três anos e meio em atividade) e o aumento do número de pessoas mais jovens abrindo um negócio. "O Brasil era o 2º País em empreendedores estabelecidos e caiu para o 13º lugar. Os outros países lidaram melhor com a pandemia e aí os efeitos dela na economia duraram mais tempo ", diz o superintendente do Sebrae em Pernambuco, Francisco Saboya. Todos os números citados fazem parte do Global Entrepreneurship Monitor (GEM) uma pesquisa realizada em 46 países que levanta informações, como o nome diz, sobre o empreendedorismo.
O estudo considera empreendedores estabelecidos os que estão em operação há mais de três anos e meio e classifica como iniciantes aqueles que estão à frente de um negócio por um período que vai de três meses até três anos e meio. "Houve uma queda de mais de 50% nos empreendedores estabelecidos e cresceu o empreendedor inicial, que inclui a galera que perdeu o emprego e iniciou uma corrida pela sobrevivência, o empreendedorismo por necessidade", explica Saboya.
A pesquisa é realizada há 20 anos e no ano passado registrou a taxa mais alta de empreendedorismo iniciante, que chegou a representar 24,2% dos estabelecimentos do Brasil. Nos meados dos anos 2000, como por exemplo em 2005, essa taxa era de 11,3%. "Isso tem a ver com a crise. Em 2005, a taxa de crescimento da economia era mais elevada e, por isso, este percentual era mais baixo. Uma parte desses empreendedores iniciais não conseguiram retirar a sobrevivência do emprego e foram empreender", comentou Saboya. Nesta edição da pesquisa, 82% dos que empreendem o fazem por falta de emprego no Brasil.
Também aumentou o percentual de empreendedores com um curso universitário, que eram 6% em 2017 e passaram a ser 24,4% do total no ano passado. "Um dos destaques da pesquisa é que a falta de emprego levou as pessoas a empreenderem e isso chegou aos mais escolarizados que estão no empreendedorismo por necessidade", argumenta Saboya.
Os empreendedores com mais de 3,5 anos saíram de um percentual de 16,2% dos empreendimentos em 2019 para 8,7% no ano passado. Ou seja, uma parte desses empreendores tiveram os seus negócios fechados. O garçom e maitrê Alexandre Macedo começou o ano de 2020 realizando um "sonho": voltar a ter um restaurante que abriu em fevereiro de 2020 no Bairro de Casa Amarela, zona norte do Recife. "Logo depois veio a pandemia, passamos quatro meses fechados por causa do decreto. Em agosto, voltamos com restrições por causa do horário. A volta foi difícil, porque doamos os refrigerantes, as cervejas e alguns alimentos antes do vencimento. As mortes das pessoas por covid-19 também levaram muitas pessoas a deixar de frequentar restaurante", lembra Alexandre.
O resultado dessa história foi que a falta de um lastro fiananceiro fez ele vender a parte dele para o outro sócio do restaurante em janeiro deste ano. Hoje, o empreendimento está fechado. "Agora, rodo de Uber. Faço alguns pratos pra entregar no domingo e durante a semana entrego marmitas", conta Alexandre, que, aos 52 ano, já foi maître de alguns restaurantes tradicionais de Olinda, como o Samburá e o Estrela do Mar. "A pandemia desestruturou a economia e aí ficou difícil manter a folha de pagamento, o aluguel, os fornecedores sem o consumidor", conclui.
SONHO
Ainda de acordo com a pesquisa, ter um negócio próprio é o segundo maior sonho do brasileiro e 82% dos que empreendem estão fazendo isso por falta de emprego. O Brasil tem 44 milhões de empreendedores , dos quais somente 19 milhões tem CNPJ, ou seja: fazem parte do mercado formal. Desse total, 12 milhões tem MEI. "A maior parte são informais. Os grandes e médio empreendedores são poucos são cerca de 1 milhão", conta Saboya. Segundo ele, o atual empreendedorismo que está ocorrendo no Brasil é precarizado, sendo caracterizado mais por oferecer serviços de baixa qualidade ou bens que não trazem inovação e nem agregam novas tecnologias. "São empreendimentos iniciais que surgiram empurrados pela crise", comenta.
Por causa do desemprego ou para complementar a renda também aumentou os empreendedores com mais de 65 anos no Brasil no ano passado. Em 2014, os jovens eram 2,5 vezes mais do que os idosos nos empreendimentos iniciais. Em 2020, os idosos passaram a representar 1,5 vez mais do que os mais jovens nos empreendimentos iniciais, aqueles que têm até 3,5 anos de operação.
"Também houve uma queda brutal nas mulheres que eram empreendedoras há mais de três anos e meio. Ocorreu uma queda de mais de 10% nas mulheres que eram empreendedoras iniciais", revela Saboya, se referindo a comparação feita entre 2020 e o ano anterior. Em 2019, metade dos estabelecimentos eram de mulheres e os outros 50%, de homens. Em 2020, as mulheres passaram a representar 46% do total e os homens, 54%. "Isso é um reflexo da desigualdade", argumenta.
Como forma de melhorar a qualidade do empreendedorismo realizado no País, a pesquisa sugere que o Brasil precisa reduzir a burocracia exigida aos empreendedores e ampliar o ensino de empreendedorismo no ensino médio e básico.
No País, as informações da pesquisa foram coletadas de julho a outubro de 2020 em 2 mil entrevistas com a população adulta de 18 a 64 anos, seguindo a metodologia internacional no padrão IBGE de pesquisa de campo. Também foram entrevistados 45 especialistas em empreendedorismo.
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