MERCADO IMOBILIÁRIO

Casa Verde e Amarela perde espaço e traz ameaça à compra mais barata de casa própria no Nordeste

Pressionada pelos custos, a construção civil espera mais alta no valor dos imóveis em 2022. O programa, que viabilizava imóveis baratos, já não tem o mesmo alcance

Lucas Moraes
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Lucas Moraes
Publicado em 22/11/2021 às 12:44
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HABITAÇÃO A inflação corrói o poder de compra das pessoas e afeta as margens de lucro dos empreendedores, minguando a viabilidade - FOTO: BERG ALVES/JC IMAGEM
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Já houve um tempo, até meados de 2019, em que o Casa Verde e Amarela, à época Minha Casa Minha Vida, chegou a representar 75% das vendas e lançamentos do mercado imobiliário. Em 2021, no entanto, o programa para compra da casa própria, que na teoria, deveria atingir a parcela da população com menores rendimentos, via financiamento subsidiado, já não é mais protagonista, chegando a uma participação na casa dos 40% - menor patamar desde o fim de 2019. A inflação corrói o poder de compra das pessoas e afeta as margens de lucro dos empreendedores, minguando a viabilidade de aquisição, sobretudo para os tipos de imóveis do programa. Para este fim de ano, é esperado algum alívio em função de mudanças já anunciadas pela gestão Bolsonaro, mas a alta dos preços e mudança do público beneficiado deverão ser inevitáveis.

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Nos dados do terceiro trimestre deste ano, da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), a alta do preço de insumos afetou o mercado imobiliário como um todo no período, atingindo inclusive a demanda, já que a renda não tem acompanhado a variação do custo. De julho a setembro deste ano, as vendas de imóveis novos caíram 9,5% na comparação com o mesmo período do ano passado. Em relação ao segundo trimestre deste ano, a redução foi de 11%. Se levado em conta apenas a fatia do Casa Verde e Amarela, as quedas foram de, respectivamente, 20% e 15%.

“Meio que uma coisa paradoxal. Onde está 90% do déficit habitacional há redução de participação do mercado, e crescimento onde está 10% do déficit. O Nordeste é um exemplo típico. O Casa Verde e Amarela já foi 60% do mercado, hoje caiu para 41%. É meio inconcebível isso. Temos grandes problemas. O primeiro é aumento de custo, que força o crescimento do preço e não cabe no bolso das famílias. O bem custa mais caro, fica duplamente prejudicado, na aquisição (pelo preço maior do imóvel e a renda menor por conta da inflação). Isso não acontece em imóveis de maior valor, a família pode optar por algo não tão nobre”, diz o presidente da Cbic, José Carlos Martins.

As novas amarras do programa, que já não mantém prioridade para as famílias de baixa renda, já que mira financiamentos com recursos do FGTS e menor aporte de subsídios, preocupa inclusive em relação à geração de empregos na construção. Este ano, em virtude do que já vinha sendo vendido, espera-se fechar o ano com cerca de 350 mil a 400 mil novos empregos, mas para 2022, a incerteza já se apresenta em função da perspectiva do prolongamento dos custos e redução das vendas.

“O emprego de hoje é a venda de ontem. O que vende hoje é o emprego de amanhã. Vendemos muito bem atrás. Já tínhamos aumentado 10% no ano passado (o número de empregos). Agora, o emprego de amanhã depende da venda de hoje, e ela caiu. Temos que ter cuidado para que no próximo ano não tenhamos situação delicada em relação a tudo isso”, alerta Martins.

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No caso específico do Casa Verde e Amarela, a esperança dos construtores é nas adaptações feitas no programa pelo governo federal, aumentando o teto do valor dos imóveis e, em alguns casos, o subsídio aplicado. A medida ajuda o mercado a manter alguma margem de lucro, mas continua a deixar grande parcela do déficit desassistida.

“Estamos vendo que o Casa Verde e Amarela sofreu em todas as regiões, principalmente Norte e Nordeste. Os demais padrões, apesar da inflexão da curva, saíram melhor no terceiro trimestre. Alguns empreendedores, com custo da produção, acabaram segurando produtos, não lançando por conta da dúvida de viabilidade e da redução drástica de margem. Todo mundo aguardava, desde o segundo trimestre resposta do governo ao aumento, e ela veio a partir de setembro, para entrar em vigor em outubro, com ajuste da curva de subsídio, principalmente para faixa 1,5 e aumento do limites de valor máximo de enquadramento do Casa Verde e Amarela”, diz o vice-presidente de área da Comissão da Indústria Imobiliária da Cbic, Celso Petrucci.

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Mesmo nessa conjuntura, a Cbic espera fechar o ano com resultados recordes, ancorados sobretudo no desempenho da classe média e alta que é atendida fora do Casa Verde e Amarela. As vendas realizadas no ano e o início de empreendimentos comercializados anteriormente, resultaram na boa performance do PIB da Construção em 2021, previsto para crescer 5% este ano.

No acumulado do ano (nove meses), o volume lançado foi de R$ 78 bilhões, maior do que os R$ 71 bilhões registrados nos nove meses do ano anterior. Até então, foram 187 mil unidades vendidas. Numa perspectiva de manutenção dos resultados, o ano pode fechar com alta de 15,9% nos lançamentos e 10,7% nas vendas para o mercado imobiliário como um todo.

Mas as vendas podem oscilar em função de quesitos como o avanço da inflação e da taxa de juros (que encarece o financiamento imobiliário). A intenção de compra de imóveis da população, de acordo com o levantamento, caiu 7% no terceiro trimestre em relação ao trimestre anterior. Dos entrevistados, 39% pretendem adquirir um imóvel, mas 45% colocam a inflação como fator que pode afetar a decisão de compra.

CASA VERDE E AMARELA 

LANÇAMENTOS:  -10,7% (comparado ao segundo trimestre de 2021) / -18,1% (terceiro trimestre de 2021 a terceiro trimestre de 2020) / -14,8 (acumulado de 2021 comparado ao acumulado de 2020 - nove meses) 

VENDAS: -15,3% (comparado ao segundo trimestre de 2021)/ -19,9% (terceiro trimestre de 2021 a terceiro trimestre de 2020)/ 10,4% (acumulado de 2021 comparado ao acumulado de 2020 - nove meses) 

OFERTA FINAL (ESTOQUE): 1,6% (comparado ao segundo trimestre de 2021)/ -7,8% (terceiro trimestre de 2021 a terceiro trimestre de 2020)/ -7,8% (acumulado de 2021 comparado ao acumulado de 2020 - nove meses) 

MERCADO GERAL 

VENDAS: -9,5% (terceiro trimestre de 2021 a terceiro trimestre de 2020) / -11,2% (comparado ao segundo trimestre de 2021)

LANÇAMENTOS: 7% (comparado ao segundo trimestre de 2021) / 13,6% (terceiro trimestre de 2021 a terceiro trimestre de 2020)

Fonte: Cbic

“Aumento de preço vai continuar e, uma percepção, é que pode ser que até o Casa Verde e Amarela dê uma reação agora, com a adequação dos limites máximos. Pode acontecer uma mudança do mix, do que está sendo lançado e do que está sendo comprado (no Casa Verde e Amarela. Vai ajudar quem estaria no que seria o limite do programa, mais próximo do teto, em especial nas capitais e regiões metropolitanas, onde tem pessoas com mais renda. Cidades do interior, onde fica o piso da renda, é mais affordability (acessibilidade) com a questão dos juros, subsídios, talvez vejamos lançar menos em algumas cidades menores e mais em outras cidades com capacidade maior”, pondera Petrucci.

De acordo com o ministério do Desenvolvimento Regional, com o orçamento aprovado de R$ 326 bilhões do FGTS até 2025, a projeção é que R$ 278 bilhões sejam destinados à construção de 2,5 milhões de unidades habitacionais no programa. Segundo a pasta, em junho deste ano foi ultrapassada a barreira de 1 milhão de unidades entregues, mas não necessariamente novas construções, já que a maioria são obras que estavam a ser finalizadas. 

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