Sem entregar moradias, prefeito do Recife vira herdeiro de obras inacabadas
Na atual gestão, pessoas pobres ainda esperam a conclusão de obras habitacionais que já duram mais de uma década
O prefeito João Campos (PSB) tem sido um herdeiro de habitacionais. O drama dos moradores da comunidade Ponte do Pina, no bairro da Zona Sul do Recife, onde dezenas de palafitas foram incendiadas, trouxe à tona mais uma vez a dificuldade da gestão em dar conta da política habitacional. A capital pernambucana tem em construção atualmente cinco habitacionais - todas as obras herdadas de gestões passadas e que, após um ano da nova gestão, ainda não foram concluídas.
No último ano, o Recife não anunciou ou entregou nenhuma obra de habitação. A previsão mais otimista da prefeitura dá conta de duas entregas nos meses de julho e agosto: são os habitacionais Vila Brasil I e Vila Brasil II que foram anunciados há 13 anos e, agora, deverão resultar em 428 apartamentos entregues aos moradores da comunidade do Papelão - a maioria que deveria constar na lista de beneficiários, embora pela demora nas entregas seja comum que moradores de outras localidades sejam agregados.
Engana-se quem pensa se tratar de algo isolado. Outro habitacional, que a prefeitura só pretende entregar em 2023, já se arrasta também há pelo menos 13 anos - o Sérgio Loreto, que deveria abrigar famílias que foram atingidas por um incêndio na comunidade dos Coelhos. Em 2013, quando a obra foi iniciada e prometida para o ano seguinte, já contabilizava-se mais de quatro anos de atraso do empreendimento.
Os habitacionais do Pilar, prometidos para o ano que vem, também seguem a mesma velocidade, ultrapassando uma década com famílias inteiras à espera de moradia. Gestão após gestão, o habitacional vai ganhando, esporadicamente, novas quadras do que deveria ser um empreendimento com 588 unidades. A promessa é entregar 256 apartamentos de um empreendimento que a poucos metros da prefeitura ainda deixa no Centro da cidade famílias viverem ao relento.
Para uma cidade que, segundo estudo da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias e da Ecconit Consultoria Econômica, demanda 233.162 moradias até 2030 para dar conta de quem não tem casa ou paga aluguel muito caro, o ritmo das construções seguem muito aquém do que deveria ser. Mesmo que a prefeitura do Recife estime um déficit (quantitativo) de 70 mil moradias.
A construção de todos os habitacionais depende da injeção direta de recursos do governo federal. Em suma, o Recife elabora o projeto, tem ele aprovado na Caixa Econômica Federal e a contratação feita pelo Ministério do Desenvolvimento Regional. No ano passado, as contratações deixaram de ser feitas no âmbito do Minha Casa Minha Vida e passaram a ser via programa Casa Verde e Amarela.
O governo reduziu a R$ 958,7 milhões os investimentos do Orçamento Geral da União (OGU), que bancam moradias populares, em 2021 e, com o novo programa, deixou de lado novas construções do tipo. Sem o financiamento dos imóveis que são praticamente doados à população, novos habitacionais já não existem.
Há alternativas criadas pelo próprio governo federal, como a possibilidade de doações de terrenos pelos estados e municípios ou o projeto de locação social do qual o Recife é a primeira cidade parceira do País da gestão federal. Ainda assim, é preciso fazer mais, mantendo a prioridade que deve ter a construção de moradias para a manutenção da qualidade de vida das pessoas.
Em discurso na terça-feira (10), o vereador da oposição, Alcides Cardoso (PSDB) reclamou que o orçamento para a implementação de projetos habitacionais da Prefeitura do Recife em 2022 foi reduzido em quase 60%, segundo dados do Portal da Transparência.
“Ao consultarmos o Portal da Transparência da Prefeitura do Recife, vemos que o valor do orçamento de 2022 para a implementação de projetos habitacionais, dentro da Secretaria de Habitação, era de R$ 24 milhões. Mas esse orçamento foi reduzido para menos da metade, ficando em R$ 10 milhões”, disse.
Segundo ele, foram retirados R$ 6 milhões da área para reforçar o orçamento da ação de requalificação de espaços de interesse público, da Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb). Além de R$ 7,9 milhões do orçamento para alocar no orçamento para a urbanização da Bacia do Beberibe, da Secretaria de Saneamento. No recorte, de um orçamento total de R$ 48 milhões reservados para a secretaria em 2022, até o momento só houve o gasto efetivo de R$ 1,3 milhão.
Segundo o consultor jurídico e advogado na área de Direito Público Antonio Ribeiro Júnior, o deslocamento de recursos não é por si só uma prática irregular ou ilegalidade.
“A Lei de Responsabilidade Fiscal permite retirar valor inicialmente destinado, por exemplo, da saúde e enviar para a habitação. Essa mudança previamente estabelecida no Orçamento é permissível. Entretanto, o TCE de Pernambuco tem firmado entendimento que há limite. Em diversos julgamentos já se estabeleceu limite em torno de 20% a 30% para esse tipo de prática. Eventual ou suposto descaso na aplicação de verbas públicas pode ser interpretado negligência, pela ausência de recursos ou ação para casos de habitação, em casos de graves danos ao patrimônio, propriedade ou pessoas. Verificado que o município foi omisso no dever de retirar pessoas de áreas de risco, nesses casos é possível que haja responsabilização da gestão pública”, alerta.
Com o incêndio no Pina, as famílias têm sido atendidas pela prefeitura, que agora promete pagamento de auxílio pecúnia de R$ 1,5 mil e auxílio-moradia de R$ 200. A área atingida será desocupada, segundo a gestão. Mas sem ter para onde ir, as famílias retiradas deverão engordar a já abarrotada fila à espera de habitações. Próximo ao local do incêndio, o habitacional Encanta Moça, prometido desde o ano de 2012 já atrasou de novo, devendo entregar 600 apartamentos a moradores de palafitas do Bode, no Pina, apenas no mês de dezembro - ao fim do segundo ano da gestão.