ALIANÇA TORCIDAS ORGANIZADAS

TORCIDAS ORGANIZADAS: entenda como nascem as perigosas alianças entre os grupos no futebol

O fanatismo pelo clube leva os participantes de torcidas organizadas de futebol a situações extremas pela camisa do time

Imagem do autor
Cadastrado por

Julianna Valença

Publicado em 23/08/2022 às 11:33
Notícia
X
De Agência Estado
Os grupos de torcidas organizadas de futebol se espalham por todo o Brasil. O fanatismo pelo clube leva os participantes da organização chegarem a situações extremas pela camisa do time: alguns trocam socos, pontapés, tiros e pauladas em esquinas das cidades, ao redor ou até mesmo dentro dos estádios.
Nos tempos atuais, o perigo real é ilusório. Ele apenas veste outra camisa. A do clube rival. Esta diferença, para tais grupos, acaba sendo pretexto para extravasar frustrações vindas de outras áreas: desemprego, falta de perspectivas, da busca de uma identidade.
Neste cenário, a efetivação de alianças se tornou uma necessidade para essas torcidas organizadas de futebol, que formam verdadeiras gangues.
As uniões são acertadas originalmente como uma maneira de preservação e proteção durante as viagens para outros Estados e cidades. Elas se transformaram em "ligações perigosas" no futebol, nas quais a violência geralmente é preponderante.
No futebol brasileiro, formou-se uma rede "diplomática" entre as torcidas, conta o presidente da Anatorg (Associação Nacional das Torcidas Organizadas do Brasil), Luiz Cláudio do Carmo do Espírito Santo, o Claudinho.
"A origem destas rivalidades e alianças vem do início da década de 70, quando as organizadas começaram a ganhar mais destaque. O que motivou foram as próprias rivalidades regionais. A partir delas, começaram a surgir aliados em outros Estados", explica.
Claudinho diz que essas alianças se formam muitas vezes por acaso, sem uma lógica específica. São decorrentes de um fato isolado. Por exemplo, pode ocorrer porque um membro de torcida ajudou outro de outro clube durante uma viagem, por uma agradável conversa em um bar ou por uma gentileza durante uma partida. As lideranças são informadas e passam a fazer alianças.
"Essas situações casuais, vindas de um auxílio ou de uma atitude diplomática favorável acaba se institucionalizando. A aliança surge de uma relação pessoal e com o tempo acaba se tornando institucional entre as torcidas. Algumas são amizades bem antigas, outras vão se moldando de acordo com o momento", observa.
Em comum, estão sempre preparadas para as brigas e uma defende a outra. Elas se juntam contra uma terceira facção, de times adversários dentro ou fora dos Estados.

UNIVERSO PRÓPRIO

Na visão do promotor Arthur Lemos, do Ministério Público do Estado de São Paulo, tais alianças não mudam a visão das autoridades em relação às organizadas do futebol.

"Essas alianças podem ocorrer normalmente, fazem parte da relação das torcidas, mas desde que não desvirtuem o propósito de integração, partindo para atos de violência. Se isso ocorrer, se tornam associações criminosas para fins ilícitos e, neste caso, o fortalecimento das associações muda de perspectiva e se torna um fortalecimento da violência, que deve ser prevenida, combatida e punida no rigor da lei."
O professor Felipe Tavares Lopes, de Comunicação Social na Universidade de Sorocaba e especialista em assuntos ligados às organizadas, também aponta uma ausência de lógica nestas relações, tomando como base os critérios dos torcedores comuns. As organizadas têm os seus próprios critérios.
"Além dessas afinidades entre clubes, as relações ocorrem em função de uma rede de amizades própria, fazendo parte de um universo autônomo das organizadas. Elas buscam uma rede de proteção, apoio logístico nas viagens, segurança e apoio em algum confronto. Vale nestes casos a ideia de que o amigo do amigo é meu amigo", analisa.
Como exemplo de união que não segue a linha das rivalidades clubísticas, Lopes cita a existente entre a Torcida Independente, do São Paulo, e a Torcida Jovem, do Flamengo. Em tese, as torcidas do Flamengo deveriam ter afinidade maior com as do Corinthians, por se tratarem dos dois clubes mais populares do Brasil.
Esse contexto leva, inclusive, a inimizades entre torcedores de um mesmo clube. Mas de organizadas diferentes, conforme lembra Claudinho.
"Esses rachas existem e geralmente são por questões geográficas, em que torcedores de tal bairro próximo à organizada se sentem com mais direitos. Também há disputas em relação ao tamanho e à representatividade de cada torcida para o clube, sobre quem é mais forte, quem traz mais material de apoio e por aí afora", afirma.

MINORIA VIOLENTA

Nos tempos em que era presidente da Força Jovem, Claudinho diz ter conhecido de perto a gênese do torcedor violento.
"Nas torcidas organizadas, vários estudos mostram que os torcedores violentos são uma minoria de cerca de 5%. Acontece que são eles que causam os estragos e fazem mais barulho. Como presidente, eu procurei ter essa consciência, buscando mesclar a inteligência com a força na administração. Tentava compreender as origens de cada um, mas, por outro lado, quando havia necessidade, tinha de manter o pulso firme, punindo casos graves de acordo com o estatuto", afirma.
Claudinho é um dos que consideram que as organizadas têm importante função social. E luta para que isso se espalhe e mude o jeito como as pessoas olham para as torcidas. Ele enfatiza que os membros da Anatorg são das mais variadas torcidas.
"O André Bodão (ex-presidente da Torcida Força Jovem do Flamengo) é diretor regional da Anatorg, assim como outros representantes de torcidas em várias regiões. Nos damos bem, participamos de reuniões juntos e lutamos por uma causa em comum, que é mostrar que as organizadas podem contribuir com a sociedade", exemplifica.

VEJA MAIS CONTEÚDO

Tags

Autor