Choque geracional no trabalho: Empatia e aprendizado são a chave para a paz entre gerações
Diante dos conflitos entre gerações nas empresas, especialista destaca as dificuldades e oportunidades da convivência de faixas etárias no mercado
A convivência entre gerações diferentes no trabalho precisa ser sinônimo de desastre? Relatos de conflitos geracionais ocorrem com frequência no atual cenário profissional, caracterizado pela alta coexistência entre faixas etárias.
Segundo o Relatório de Tendências de Gestão de Pessoas 2024, do Great Place To Work, atualmente, há até 5 gerações convivendo nas instituições.
Diante disso, é possível questionar se há como instaurar entendimento, especialmente no momento em que o mercado de trabalho começa a receber a chamada geração Z, composta pelos jovens nascidos entre meados dos anos 90 e o início dos anos 2010.
Os chamados “gen-z” são caracterizados pelo GPTW como mais flexíveis e com um desejo de cuidar de seu bem-estar e tempo. Tais pontos marcam uma grande diferença em relação a outras gerações, como os baby boomers (nascidos entre os anos 40 e 60).
E são características como as citadas que podem gerar embates no ambiente empresarial: 68,1% dos profissionais de gestão de pessoas respondentes do Relatório de Tendências de Gestão de Pessoas 2024, do GPTW, apontam a geração Z como a que mais promove dificuldades para a gestão.
As raízes do problema
Augusta Ramos, consultora de recursos humanos e tech recruiter, destaca que o antagonismo de opiniões sobre o comprometimento com o trabalho é uma das principais fontes de atrito. Os gen-Z frequentemente se posicionam em prol de uma divisão mais igualitária entre as esferas pessoal e profissional da vida.
“Enquanto as gerações Y [meados dos anos 80 a 90] até a geração X [anos 60 a 80], dão uma importância muito grande em relação ao que é trabalho, e ele ocupa o espaço muito grande da vida, a geração Z vem para dizer que ‘calma, não é bem por aí’, vamos ter um pouco mais de equilíbrio em relação a isso”, pontua.
É comum que a Geração Z seja vista pelas outras como pouco comprometida, enquanto os gen-Z enxergam os mais velhos como intransigentes ou engessados. Em sua experiência como recrutadora de RH, Augusta revela que ambos os grupos possuem integrantes que fazem jus aos estereótipos apresentados, mas há quem fuja desse olhar simplista.
Para a especialista, o desinteresse de muitos desses jovens pelo trabalho tem a ver com sua experiência de vida, que também parte de diferenças geracionais. “A geração Z foi criada com pais e familiares quem passavam muito tempo trabalhando, provavelmente pais da geração X ou Y, que têm um histórico de muitas horas de trabalho. Acredito que os geração Z olham para o trabalho e para a geração mais velha e pensam ‘para mim não faz sentido eu trabalhar tanto, não ter tempo para realizar meus sonhos e ganhar tão pouco’”, destaca.
O que fazer para construir pontes?
Augusta destaca que o mercado ainda engatinha em busca de soluções palpáveis para essa integração entre gerações. Uma das propostas está ligada a três fatores que a geração Z preza e muito: a flexibilidade, com jornadas de trabalho mais curtas, a possibilidade de trabalho remoto e os benefícios voltados ao bem-estar mental.
Para a especialista, muitas empresas apelam para tentativas superficiais de atrair e reter os talentos dessa geração, como decorações diferenciadas no escritório. Porém, esses jovens não costumam se contentar com iniciativas rasas. “Eles querem poder ter vida social além do trabalho. Não basta só ter happy hour do trabalho. Eles querem ter vida social, disponibilidade e flexibilidade, sem que o espaço ocupe tantas horas por dia da vida”, pontua.
Conciliar os interesses entre gerações é mais do que necessário, afinal, os conflitos impactam diretamente as “engrenagens” da empresa, ao gerar ruído de comunicação, falta de colaboração, e desgaste entre a equipe. “Quando tudo isso gera um ambiente menos amistoso e harmônico, isso afeta a produtividade do time como um todo”, destaca Augusta.
Liderança e troca de conhecimentos em foco
Nesse processo de mediação e adaptação das empresas às diferenças geracionais, o treinamento de liderança aparece como uma peça chave. O aprendizado teórico e prático dos líderes para melhor exercício de suas funções é fundamental, uma vez que cabe a eles uma atualização constante para lidar com as novidades no âmbito profissional.
“Para estar numa posição de liderança, é preciso entender que o mundo é rápido. O líder precisa acompanhar essa velocidade. Quando os colaboradores dele vem, ele terá que se adaptar e tentar entender ao máximo aquele colaborador, para atender aquela demanda e ser líder para aquela pessoa também. Porque a necessidade de uma pessoa de uma geração é um pouco diferente da outra”, pontua Augusta.
Com isso, cabem aos líderes terem um olhar mais humano e menos técnico, com uma escuta atenta aos funcionários, independentemente da geração a qual pertencem. “Tem líderes incríveis, mas também tem uns que acreditam que sempre são os donos da razão. E quando você sempre vai ser o dono da razão, fica difícil de tentar entender um pouco do outro lado”, destaca a tech recruiter.
O aprendizado também desempenha um papel importante na mediação do choque geracional por meio das mentorias reversas, outra alternativa que surge nesse sentido. Esse processo se caracteriza por uma troca de conhecimento entre funcionários de diferentes níveis de hierarquia. Desse modo, os mais jovens também ensinam aos mais velhos.
Para Augusta, ações como tal representam o “melhor de dois mundos”. Criados em um contexto radicalmente diferente dos anteriores, os mais jovens podem oferecer esses conhecimentos a seus colegas de outra geração. Afinal, a diferença de experiências de vida também representa uma diferença de expertises que só tem a beneficiar as instituições.
“Os melhores times são compostos por pessoas de idades e formas diversas. É aí que existe o melhor mundo. É um time composto por diversidade. Independente de geração, cor ou credo, você põe pessoas diversas para pensar e aprender juntas. Esse é o melhor resultado possível para o time, para empresa e para as pessoas. O nível de aprendizado e senso de pertencimento é gigante”, destaca.
Outra forma de favorecer a adesão das gerações mais novas são os programas de trainee, com foco em treinamento e desenvolvimento de jovens profissionais. “Quando a empresa tem esse programa estruturado significa que esse profissional vem para aprender. Isso é bem legal, porque ele tem a possibilidade de crescer e se desenvolver enquanto pessoa, ao aprender habilidades humanas, e também enquanto profissional, ao aprender as habilidades técnicas dentro da empresa”, propõe a consultora de RH.
Empatia no centro do debate
Para Augusta, ambos os lados têm muito a aprender com a convivência. Apesar dos entraves que costuma gerar, a geração Z tem muito a ensinar. Muitas proposições dos gen-Zs podem ser benéficas para todos, diante de um cenário trabalhista temperado pela exaustão.
“A ideia da geração Z de trazer mais flexibilidade, home office e outros elementos é super válida. Ninguém mais aguenta trabalhar no formato em que a gente trabalha hoje e o tanto que a gente se tornou em relação a trabalho, só que eles estão sendo a geração que está falando sobre isso. Nenhuma geração até então havia falado”, declara Augusta.
“Todas as gerações passam por esse processo e esse preconceito em relação às gerações anteriores, mas acredito que o melhor caminho é o da empatia, onde todas as gerações podem se perguntar o que podem trocar, e aprender uma com a outra.”
Aliás, adaptar-se para tal é mais uma necessidade do que algo facultativo, pois a diversidade geracional no trabalho não vai a lugar algum. “Teremos pessoas de 80 anos até 18, 14 anos no mercado de trabalho, e ele vai precisar aprender a conviver com todas essas gerações, independentemente da nossa idade. Se ficarmos sempre nesse pé de guerra, não teremos um mercado bom para ninguém”, conclui.