Especialistas em economia temem "década perdida" na América Latina devido à pandemia

Crise causada pela pandemia do novo coronavírus pode resultar em retrocesso de 13 anos
AFP
Publicado em 11/06/2020 às 18:12
Em maio, a CEPAL estimou que a pobreza poderia atingir 34,7% da população latino-americana (214,7 milhões de pessoas) e a pobreza extrema, 13% (83,4 milhões de pessoas) em 2020. Foto: Foto: Pixabay


Economias em queda, mais de 200 milhões de pessoas em situação de pobreza, o fechamento de 2,6 milhões de empresas e a perspectiva de uma "década perdida" são as preocupações levantadas pela pandemia de covid-19 na América Latina, disseram especialistas nesta quinta-feira(11) em um evento regional.

A crise financeira gerada pelas medidas para conter o coronavírus "pode nos levar a um retrocesso de 13 anos", disse Alicia Bárcena, secretária-geral da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).

Em uma conferência virtual organizada pela Corporação Andina de Fomento (CAF) por seu 50º aniversário, Bárcena garantiu que o continente enfrenta hoje o resultado de "décadas de privatização e mercantilização dos serviços de saúde", cujos gastos públicos "não excederam 2% do PIB".

"Estamos preocupados que a região possa emergir dessa crise mais endividada, mais pobre, com mais fome e com alto desemprego. E acima de tudo, revoltada", enfatizou.

Ela também acrescentou que a comunidade internacional "não entende completamente a situação nos países de renda média".

"Eles terão problemas de liquidez, muitos países têm apoio para alcançá-lo, mas muitos não: o Caribe e a América Central certamente não", disse ela. "Estamos enfrentando a maior recessão da história. Precisamos ver como impedimos que a crise da saúde se transforme em crise alimentar", enfatizou.

Em maio, a CEPAL estimou que a pobreza poderia atingir 34,7% da população latino-americana (214,7 milhões de pessoas) e a pobreza extrema, 13% (83,4 milhões de pessoas) em 2020.

Também destacou que 2,6 milhões de pequenas e médias empresas serão fechadas na região.

"Estamos correndo o risco de ter uma década perdida", disse, usando uma expressão que foi aplicada na América Latina para as crises da dívida de 1980.

Economias em queda

O Secretário Geral da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Ángel Gurría, listou as projeções feitas por sua instituição nas últimas horas para as economias latino-americanas em 2020.

"A Argentina vai cair 8,3%, Brasil 7,4%, México 7,5%, Colômbia 6,1%, Chile 5,6%. E isso sem uma segunda onda da pandemia. Se houver uma segunda onda, os números serão ainda piores. Então, estamos em um momento extremamente vulnerável ", afirmou.

Segundo Gurría, o quadro é agravado pela situação latino-americana anterior. "Nós já estávamos com problemas e, de repente, a covid chegou. A região praticamente não cresceu em média, (havia) problemas de concentração de renda, problemas sérios de competitividade, produtividade e veio a covid".

"Nunca é bom que um inimigo como esse apareça, tão terrível, tão letal, mas no caso da América Latina ocorreu em um momento particularmente difícil e não apenas nos pegou de surpresa, mas também mostrou como estávamos mal preparados", afirmou.

Para o secretário da OCDE, o dilema que alguns colocam entre economia e vida é falso porque "o mais importante é vencer a batalha contra o vírus o mais rápido possível".

No entanto, destacou que quando os países quiserem decolar, terão "asas um pouco pesadas".

"O peso da dívida do governo, das empresas e das famílias dificultará a recuperação", afirmou ele.

Cooperação regional

Para o ex-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) Enrique Iglesias, "a crise está abalando as bases do mundo financeiro e econômico".

"Os números em queda são terríveis, eles não ocorreram nas crises anteriores", e os países da América Latina terão que apelar à ajuda financeira dos bancos de desenvolvimento, estimou.

Mas observou que pode ser uma oportunidade para um trabalho conjunto na região.

"O mundo está enfrentando um colapso nas relações multilaterais, estamos em uma retrocesso que, esperamos, seja contido. A cooperação regional adquire assim uma dimensão mais importante do que no passado, temos que aproveitar a oportunidade de fazer as coisas juntos", refletiu.

Bárcena, que lembrou algumas propostas da CEPAL, como a criação de uma renda básica de emergência e subsídios para as empresas, concordou.

"A integração econômica regional é essencial. Essas redes devem ser criadas."

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