Conflito

Esquerda no Brasil pede fim da guerra entre Rússia e Ucrânia, mas se divide sobre condenar ações de Putin

Mesmo os que pedem o fim do conflito fazem questão de alfinetar os Estados Unidos e a Otan

JC
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Publicado em 02/03/2022 às 15:55
SERGEY BOBOK/AFP
Escola destruída por bombas russas na cidade de Kharkiv, na Ucrânia - FOTO: SERGEY BOBOK/AFP
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Em meio a uma esquerda que não vem condenando abertamente as ações da Rússia na Ucrânia, líderes do PSB destoaram de aliados como PT, PSOL e PCdoB que atribuem aos Estados Unidos e à expansão da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) parte da responsabilidade pela situação que levou à ação militar comandada pelo presidente russo Vladimir Putin.

De acordo com publicações nas redes sociais, parte da esquerda brasileira destaca que Putin não está completamente errado, pois estaria respondendo a uma agressão anterior: a movimentação dos EUA para que a Ucrânia passasse a fazer parte da Otan, a aliança militar ocidental criada após a Segunda Guerra exatamente para conter a influência e o expansionismo soviético.

Governador do Maranhão, Flávio Dino (PSB) disse ser um erro legitimar a ação russa porque a Otan ficaria perto demais da Rússia via Ucrânia. “Isso legitimaria absurdas ações dos EUA na América Latina, em nome do ‘combate ao comunismo’. O Planeta não pode ser repartido em ‘zonas de influência’ e devemos defender a autodeterminação dos povos”, afirmou ele no Twitter. 

Em seguida, à Folha de S. Paulo, o socialista destacou que não tem simpatia pela Otan: “é um entulho da Guerra Fria, mas é um assunto dos ucranianos", disse o governador. Ele destacou, ainda, que o dilema da esquerda é natural. "De um modo geral, a esquerda fica em muito dúvida, por causa da nossa formação anti-imperialista, mas é em razão dessa formação que devemos sustentar a autodeterminação dos povos".

Deputado federal, Marcelo Freixo (PSB) disse que "a violação da soberania da Ucrânia tem que ser condenada por todos nós que defendemos a autodeterminação dos povos e a solução pacífica de conflitos". Segundo Freixo, a "defesa da neutralidade feita por Bolsonaro diante do ataque russo é lamentável e prejudica a imagem do Brasil no exterior."

Mesmo que membros do PSB tenham se posicionado desta forma, o presidente do partido, Carlos Siqueira, afirmou que a legenda não adotou posição unificada com relação ao conflito e que suas lideranças são livres para se manifestar. O governador de Pernambuco, Paulo Câmara, por exemplo, adotou um tom mais ameno em relação ao de Dino e Freixo. "Lamentável que o conflito entre Rússia e Ucrânia tenha chegado ao ponto atual. Guerra é sempre a pior opção. Que a mobilização internacional contribua para o restabelecimento do diálogo e do entendimento entre as duas nações", escreveu nas redes sociais.

PT

A afirmação de Paulo Câmara segue uma linha parecida com a maioria dos movimentos e líderes de esquerda que emitiram notas nos últimos dias repudiando a guerra e pedindo diálogo, mas sem criticar o presidente russo ou condenar as ações da Rússia. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por exemplo, disse em nota que “ninguém pode concordar com guerra, ataques militares de um país contra o outro”, mas não incluiu uma palavra sobre Putin. A nota do PT foi na mesma linha, defendendo que a “resolução de conflitos de interesses na política internacional deve ser buscada sempre por meio do diálogo e não da força”. Já em viagem ao México, Lula voltou a pregar a união da América Latina pela paz e disse que o mundo já não pode suportar a guerra. 

O ex-presidente postou uma mensagem no Twitter criticando a ONU por não ter conseguido evitar o que o mundo assiste assustado: “As Nações Unidas precisam levar em conta que ela não tem mais a representatividade que tinha quando foi criada em 1948. A geografia do mundo mudou, é preciso pôr mais países a participar do Conselho de Segurança. Não podem ser apenas cinco países que participam desde a Segunda Guerra Mundial”. Sobre a invasão da Ucrânia, Lula limitou-se a afirmar que Vladimir Putin tem que saber que “o povo não precisa de guerra”.

Na última semana, uma nota publicada pela bancada do PT no Senado, e posteriormente apagada e desautorizada, gerou fortes críticas nas redes. A nota, assinada pelo senador Paulo Rocha, líder da bancada do PT, começava dizendo: "O PT no Senado condena a política de longo prazo dos EUA de agressão à Rússia e de contínua expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) em direção às fronteiras russas. Trata-se de política belicosa, que nunca se justificou, dentro dos princípios que regem o Direito Internacional Público."

PDT

Pré-candidato do PDT à Presidência, Ciro Gomes disse que a agressão armada da Rússia não pode ser justificada, mas, sem citar diretamente Estados Unidos e Otan, ele alfineta grandes potências afirmando que elas se esforçam em subjugar países menores. "No caso, o princípio sagrado do respeito pela soberania e pela integridade territorial dos Estados. Diante dessa agressão, qualquer contraponto de argumentos e motivações arrisca soar como justificativa da agressão armada da Rússia contra o povo ucraniano.Enquanto o Brasil for Brasil, jamais ficará neutro diante de tal violência. Nem, por isso, porém, esquecemos o quadro maior em que se dá o confronto atual: o esforço de grandes potências para subjugar países menores e projetar suas esferas de influência e o confronto de pretensões hegemônicas que põem em perigo a sobrevivência da humanidade. Para nós brasileiros, rebelar-nos contra a imposição dessas hegemonias não é compromisso abstrato: é imperativo de vida e de dignidade. É defender o espaço de nossa grandeza futura", escreveu Ciro nas redes sociais.

Presidente nacional do PDT, Carlos Lupi defendeu ação da ONU pela paz entre a Rússia e a Ucrânia. “As lideranças da Internacional Socialista analisaram a importância de respeitar os princípios da soberania nacional ucraniana e a consequente necessidade de preservar os direitos humanos e as garantias das populações minoritárias. A emergência de um acordo é inevitável, pois o mundo tão impactado pela pandemia, da covid-19, precisa concentrar esforços no progresso socialmente responsável. Teremos consequências graves se o mundo não se mobilizar para defender a paz”, disse Lupi.

PSOL

Membros do PSOL e PCdoB, mesmo os que criticam as ações da Rússia, não deixam de lado uma alfinetada na Otan aos Estados Unidos. "É evidente que almejamos o fim da guerra. Não existe romantismo no que está ocorrendo. É dor. Também não nos iludimos com a “paz” de cemitério da Otan. O país que se apresenta como arauto da democracia e tem mais de 75% das bases militares estrangeiras no mundo faz guerra o tempo todo", disse o deputado federal Glauber Braga (PSOL) em relação aos Estados Unidos.

Inclusive, o presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros, chegou a reagir a uma postagem de Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, dizendo: "você realmente acredita que seu governo não tem qualquer responsabilidade por essa crise depois que tentou levar a Ucrânia para a Otan? Você também é culpado por essa situação!".

Também do PSOL, a deputada federal Sâmia Bonfim afirmou: "enquanto a morte se espalha pela Ucrânia, quase 2000 russos foram presos pela polícia de Putin por protestarem contra a guerra. O ataque russo precisa parar, assim como a expansão desestabilizadora da OTAN, que já deveria ter sido extinta", escreveu.

PCdoB

No PCdoB, a ex-deputada federal Manuela D'Ávila (PCdoB-RS), candidata a vice na chapa de Fernando Haddad (PT) em 2018 pediu nas redes sociais que “legítimas preocupações da Rússia com sua segurança sejam consideradas”. "Rússia e Ucrânia partilham mais do que fronteiras, povos e culturas. Uma saída pacífica deve ser buscada, através da diplomacia e diálogo e em consonância com o direito internacional e o princípio da não-intervenção. Isto requer que as legítimas preocupações da Rússia com sua segurança sejam consideradas, e que seja revertido o cerco da Otan às suas fronteiras russas”, afirmou.

Jandira Feghali (PCdoB), deputada federal, disse que a guerra não tem um único dono. "A Otan, que foi instrumento da Guerra Fria, é comandada pelos EUA e tem grande responsabilidade neste desfecho. Não tem santo, nem herói nessa história. O enredo tem sido ignorado no debate público. Precisamos que os envolvidos se entendam na mesa de negociações para que haja imediato cessar-fogo. A população civil não pode virar o alvo dessa disputa. Intervenção de guerra não deve ser o caminho. Essa disputa geopolítica exige solução global, de muitos líderes mundiais", pontuou.

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