Da AFP
O papa Francisco pediu perdão, nesta segunda-feira (25), "pelo mal que tantos cristãos cometeram contra os povos indígenas" do Canadá, no primeiro dia de uma visita centrada em abordar décadas de abusos cometidos em instituições católicas.
O arrependimento do líder religioso foi recebido com aplausos por uma multidão de nativos de grupos como Primeiras Nações, Metis e Inuit, reunidos em Maskwacis, onde crianças indígenas foram retiradas de suas famílias e submetidas ao que é considerado um "genocídio cultural".
"Peço perdão pela maneira como muitos membros da Igreja e das comunidades religiosas cooperaram, também por meio da indiferença, com esses projetos de destruição cultural e assimilação forçada", declarou o pontífice argentino, de 85 anos, que leu sentado sua mensagem.
"As políticas de assimilação e desvinculação, que também incluíam o sistema de escolas residenciais, foram nefastas para os povos dessas terras", reconheceu.
A emoção dos presentes era palpável durante seu discurso em Maskwacis, província de Alberta, cerca de cem quilômetros ao sul de Edmonton, onde se encontra o antigo internato de Ermineskin, um dos maiores do Canadá, em atividade de 1895 a 1975.
Centenas de pessoas, muitas vestidas com trajes tradicionais, se juntaram ao primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, e Mary Simon, a primeira governadora-geral indígena do país, no ato. As lideranças indígenas apresentaram e colocaram no papa um tradicional cocar de penas.
"O lugar onde nos encontramos ecoa um grito de dor, um clamor sufocado que me acompanhou durante esses meses", disse Francisco, mencionando os "abusos físicos, psicológicos e espirituais" sofridos pelas crianças.
Vários conselheiros estiveram no local para dar apoio emocional. Pouco antes, voluntários distribuíram pequenos sacos de papel para "recolher as lágrimas".
- Lágrimas de amor -
"As Primeiras Nações acreditam que se chorar, você chora amor, você guarda as lágrimas em um pedaço de papel e as coloca de volta nesta bolsa", explicou Andre Carrier, da Federação Manitoba Metis Federation, antes do discurso do papa.
Os voluntários recolherão as bolsas e depois as queimarão com uma oração especial "para devolver as lágrimas de amor ao Criador", disse.
Desde o final do século XIX até a década de 1990, o governo do Canadá enviou em torno de 150.000 crianças para 139 internatos dirigidos pela Igreja, as separando de suas famílias, língua e cultura. Muitos alunos sofreram abusos físicos e sexuais por diretores e professores.
Acredita-se que esse sistema de assimilação cultural causou a morte de ao menos 6.000 menores por doenças, desnutrição, negligência ou abusos.
Uma delegação de indígenas viajou para o Vaticano em abril e se reuniu com o papa, que se desculpou formalmente por esse passado.
Mas pedir perdão em solo canadense tem um significado enorme para os sobreviventes e suas famílias, para quem a terra de seus ancestrais é de particular importância.
Em seguida, Francisco visitou a igreja do Sagrado Coração dos Primeiros Povos de Edmonton, onde pronunciou um segundo discurso para as comunidades indígenas.
"Só posso imaginar o esforço que deve ser necessário para sequer pensar em uma reconciliação", disse o papa.
"Nada pode remover a violação da dignidade, a experiência do mal, a traição da confiança. Ou remover nossa própria vergonha, como crentes", acrescentou.
Para choque do Canadá e reconhecimento de um passado sombrio, mais de 1.300 sepulturas sem identificação foram descobertas nos locais dos antigos internatos desde maio de 2021.
O governo canadense, que indenizou ex-alunos com milhões de dólares, desculpou-se oficialmente há 14 anos por ter criado essas escolas para "matar o indígena no coração da criança".
Depois do governo, a Igreja Anglicana também pediu desculpas. Já a Igreja Católica, encarregada de mais de 60% destas escolas, recusou-se a fazer o mesmo inicialmente.
- Viagem de cura -
O Canadá está lentamente abrindo os olhos para esse passado descrito como "genocídio cultural" por uma comissão nacional de inquérito.
Ao fim do dia, Trudeau insistiu que a reconciliação é um "assunto de todos os canadenses".
"Ninguém deve esquecer o que aconteceu nos internatos, e devemos garantir que isso não volta a acontecer", completou, ao pedir aos cidadãos que sejam "abertos, escutem e compartilhem".
Esperada por muito tempo, a visita papal, que se estenderá por seis dias, gera esperança entre alguns sobreviventes e suas famílias. Muitos também esperam gestos simbólicos, como a restituição de objetos de arte indígenas mantidos no Vaticano por décadas.
Na terça-feira, o papa celebrará uma missa no estádio Commonwealth de Edmonton onde cerca de 65.000 pessoas são esperadas, antes de seguir para o lago Sainte-Anne, local de uma importante peregrinação anual. Na quarta-feira, o pontífice visitará Quebec antes da última etapa da viagem, na sexta-feira em Iqaluit (Nunavut), cidade do norte canadense, no arquipélago ártico.
Enfraquecido por dores nos joelhos, o jesuíta argentino apareceu em uma cadeira de rodas durante sua chegada a Edmonton, no domingo. Sua agenda foi acomodada para evitar grandes viagens devido ao seu estado de saúde, segundo os organizadores.