Na última terça-feira correram o mundo imagens dos jornalistas da TV Estatal do Equador rendidos por membros do crime organizado fortemente armados, em plena transmissão ao vivo. Tido como um local aparentemente pacífico, o Equador - descobre-se agora - perdeu o controle sobre 22 gangs, tachadas de “terroristas” pelo jovem presidente Daniel Noboa, 36 anos, com menos de dois meses de iniciado seu mandato. Após a fuga de um dos comandantes de facção e da decisão do presidente de erguer prisões de segurança máxima, teve início uma rebelião nas penitenciárias e nas principais cidades grupos armados comandaram casos de violência, mortes, incêndios, fazendo reféns cerca de 200 agentes penitenciários.
Escolas foram fechadas, a população aconselhada a não sair às ruas e o presidente decretou “estado de conflito armado interno“ (guerra civil), determinando que as Forças Armadas realizassem operações para “neutralizar os insurretos”. Em agosto de 2023 um candidato a presidente, na mesma eleição vencida por Noboa, foi assassinado depois de fazer discurso de ataque à corrupção e ao tráfico de drogas.
Em uma América Latina cada vez mais dominada pelo crime organizado que se abastece do tráfico de drogas – no Brasil, o estado do Rio de Janeiro e grandes capitais nordestinas são exemplos disso – o Equador, que figurava entre os países com menores índices de violência, atingindo 5,6 homicídios por 100 mil habitantes em 2017, chegou a 27 mortes por 100 mil habitantes em 2022, segundo o ranking produzido pelo Centro de Estudos Internacionais da Universidade do Chile, divulgado na última quarta-feira. A ONU considerou recentemente que a explosão da violência nos países da AL tem como principal fator o crime organizado responsável hoje, segundo a organização, por metade dos homicídios nos países latino-americanos, através da disputa entre os grupos de traficantes e os cartéis.
Por que o Equador chegou à situação atual? Ouvido pela CNN, o ex-embaixador Rubens Barbosa afirmou que “como Pilatos no credo” o Equador, cercado pela Colômbia, Peru e Bolívia países que, ao lado do México, reúnem o grosso da produção e do tráfico de drogas na América Latina, tornou-se presa fácil dos traficantes após o grande embate promovido contra eles pelo atual presidente de El Salvador, Nayib Bukele, obrigando-os a fugir do país. Criticado pelos defensores dos direitos humanos, Nayib fez cair para 7,8 por 100 mil habitantes os homicídios em seu país, que era recordista de violência. Enquanto isso, como se viu acima, a violência explodiu no Equador, para onde migraram os traficantes de El Salvador. Afinal, a costa equatoriana é propícia para o tráfico marítimo.
Os acontecimentos no Equador levantaram no Brasil um debate sobre os narco-milicianos que já dominam grande parte do Rio de Janeiro e que, conforme denúncia do prefeito Eduardo Paes na última quinta-feira, estão cobrando pedágio dos empreiteiros de obras públicas para autorizarem as mesmas a fazer seu trabalho em áreas dominadas. Ao responder ao prefeito, o secretário executivo de segurança pública do Ministério da Justiça, Ricardo Capelli, chegou a fazer uma advertência sobre a semelhança entre o que acontece no Rio, no momento em que o Equador é desafiado pelas gangs. O cientista político pernambucano Thales Castro afirma que “o Rio de Janeiro é ingovernável. Quem se elege governador hoje só administra o caos”. E adianta: “não quero ser profeta do Apocalipse mas o Brasil caminha para virar um Equador. Além do que já acontece nas grandes capitais, a Amazônia, que tem 60% do território brasileiro, está começando a ser dominada pelo tráfico, incluindo Manaus e Belém”.
No ranking da Universidade do Chile, a Venezuela é o país de maiores índices de violência na América Latina – lá o tráfico chegou às mais altas esferas de poder - seguida de Honduras. Depois vêm Equador, México, Colombia, Brasil, Uruguai e El Salvador, que estava no topo da lista há alguns anos e agora ficou em oitavo lugar. O que fazer para enfrentar esta situação que se agrava com o presidente do Equador ameaçando deportar para os países vizinhos, onde nasceram, os criminosos que lotam as prisões equatorianas e que, segundo ele, custam mais do que a merenda escolar das crianças daquele país? Mas Noboa também sugeriu que fosse criado um organismo congregando os países ameaçados pelo tráfico para que medidas conjuntas sejam adotadas. De sua parte, ao decretar estado de exceção, o presidente equatoriano fez o mesmo que seu colega presidente de El Salvador que teve pleno êxito em sua empreitada. Resta saber até quando.