Laura Araújo, especial para o JC
Neste domingo 07 de julho de 2024, parte do mundo voltou os olhos para França antes do previsto com as Olímpiadas. Desde de 09 de junho a política francesa se tornou objeto de inquietação e debate: o resultado da Eleição do Parlamento Francês nunca foi tão acompanhado e vibrado ao longo da história.
Após sofrer uma derrota do candidato de centro no Parlamento Europeu para o partido de extrema-direita Rassemblemant National (RN) de Marine Le Pen, Macron tomou a decisão de dissolver o parlamento francês. Tal ato possui amparo legal, não se tratando de um golpe, segundo a Constituição francesa o presidente possui a prerrogativa de dissolver o parlamento, o que já ocorrera três vezes na política francesa.
A decisão de Macron foi considerada bastante arriscada por muitos analistas, pois o Parlamento francês, diferentemente do europeu possui forte poder decisivo em relação à política doméstica, dessa forma, a capacidade de aprovação da agenda, de leis e de políticas públicas ficaria fortemente comprometida. O que o deixaria em um cenário de coabitação, onde o presidente mantém o papel principal em defesa como comandante-chefe e em política externa, mas sem poderes para definir a política doméstica. Ou seja, situação mais dificultosa do que se encontra nos últimos anos.
O cenário não vinha favorável para o centrista Macron, que sofria uma série de perdas no legislativo passando por um momento de deadlock, onde encontrava pouco apoio para implementar sua agenda. Além do pouco apoio do legislativo, o presidente passa por um momento de descrédito e impopularidade com o eleitorado francês, o qual o não o vê como um deles, mas como um membro de uma elite pró-mercado.
Essa desconexão a figura política de Macron se une com a insatisfação global que os cidadãos afirmam sentir com o sistema político, fazendo-os votar em candidatos populistas antissistema ou abster-se das urnas quando possível. Os altos índices de abstenção têm sido um fenômeno recorrente nas democracias mundiais. A ausência como forma de “protesto” e a não identificação com os políticos tradicionais são um marco das duas últimas décadas, favoreceram o crescimento e representação de partidos populistas ao redor do mundo. Na França, uma das democracias mais consolidadas, não foi diferente.
O Rassemblemant National vem adentrando na política tradicional nos últimos 30 anos, conquistando cadeiras no legislativo e executivo, o ápice ocorreu quando o partido de extrema-direita conquistou maioria e elegeu seu representante no Parlamento Europeu em junho deste ano, o órgão simbolicamente relevante mas sem poderes cogentes. É importante ressaltar que o índice de comparecimento às urnas foi de 38% do eleitorado, em um sistema onde o voto é facultativo, a decisão do eleitor de ir às urnas, costuma ser mais custosa, uma vez que, pouco motivado, ele não terá porque deixar sua casa.
A dissolução do Parlamento Francês juntamente com o convite de Macron ao povo em defesa da democracia e suas instituições levou a um recorde de comparecimento às urnas, 59,4% dos eleitores elegeram um novo parlamento, no qual o Nouveau Front Populaire, de esquerda, cresceu e tornou-se a maior coligação do parlamento com 182 cadeiras, seguida pelo Ensemble de Macron com 168 cadeiras e o Rassemblemant National ocupando 143 cadeiras.
Cenário que pode ser visto de forma positiva, diante do medo de um Parlamento majoritariamente composto pela extrema-direita, mas preocupante diante de um olhar crítico. Os gráficos abaixo, retirados do Opera Mundi, ajudam-me a apresentar a ideia:
O Nouveau Front Populaire, frente da esquerda (em vermelho) e a frente da direita (em azul) cresceram, deixando o centro (amarelo), coligação do Macron, como principal perdedora dessas eleições, perdendo 82 cadeiras. E, estatisticamente, o RN foi o partido que mais ganhou cadeiras, aumentando sua participação em 62,5% no parlamento. O que nos leva a pensar: alguns centristas migraram para a extrema-direita.
Copo meio cheio para uns, copo meio vazio para outros, independentemente de preferências alguns pontos precisam ser destacados: (1) o legislativo francês está mais polarizado; (2) o resultado foi bom para a esquerda, mas cabe a ela escolher um cabeça para melhor fazer oposição à extrema direita; (3) o partido de centro foi o maior perdedor dessas eleições, mas o Macron pode sair beneficiado de modo tangencial pelo potencial de se aliar com o novo Primeiro-Ministro conta a extrema-direita; (4) o berço do iluminismo se torna cada vez populista.