O 31 de março de 1964 – que, aliás, durou vinte e um anos – é um convite à
sociedade para que reflita sobre si mesma. Naquela madrugada de trágica
memória, o Brasil foi arremessado sem paraquedas no fosso escuro da opressão
de um desenho de Estado de perspectivas incertas. Dos prados verdejantes da
democracia, caímos no pântano da ditadura. Nunca mais fomos os mesmos.
Para a advocacia, cuja pedra-bruta de labor é a defesa do cidadão, toda tirania
é a negação da sua própria pedra angular. É mordaça, é desterro, é a punição
por crimes não praticados. É a cela fria e úmida, na qual a claridade não penetra.
Nunca antes foi tão necessário quanto hoje que os jovens entendam o significado
da democracia e por que lutar por ela. Posto em marcha o golpe, os jornais
passaram a ser proibidos de noticiar os fatos. Suas manchetes foram substituídas
por receitas de bolo. Os estudantes, perseguidos. Qualquer oposição, sufocada.
Mandatos parlamentares cassados. Governantes depostos e exilados. Prisões
para averiguação aos borbotões. A tortura, a censura, a vigilância e a repressão,
práticas institucionalizadas. Sustou-se o habeas corpus. A legalidade
democrática, enfim, esmigalhada e o poder tomado sob o argumento de uma
“ameaça comunista”.
Felizmente, em que pesem os esforços em sentido contrário, as tentativas de
romantização vêm sendo inócuas. A história simplesmente não pode ser
recontada. Ninguém é detentor dessa autoridade.
Para os desafios da atualidade, o que inclui a própria democracia, não há atalhos.
Disse bem Rubem Alves: “O primeiro ato de domínio exige que o dominado
esqueça o seu nome, perca a memória do seu passado, não mais se lembre de
sua dignidade e aceite os nomes que o senhor impõe. A perda da memória é um
evento escravizador. É por isto mesmo que a mais antiga tradição filosófica do
mundo ocidental afirma que o nosso destino depende de nossa capacidade e
vontade de recuperar memórias perdidas”.
Relembrar, portanto, é resistir. Pois que então relembremos sem medo e sem
ódio, para que nunca mais se repita. Nada há a celebrar na dor.
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado