Minha visão, pessoal, da tragédia que estamos vivendo. Um: a eleição do presente governo, em 2018, foi quase uma inevitabilidade histórica e o impeachment de Dilma não foi golpe. Trabalhei pelo que veio a ser formal e democrática interrupção do mandato, e não me arrependo. Não aceito as versões que culpam o "inimigo externo" - a CIA, os americanos - nem as que veem o impeachment como via para a ascensão do "bolsonarismo". Era grande a chance de crise econômica ainda mais profunda se o governo Dilma chegasse até o fim do mandato. O resultado eleitoral muito possivelmente teria sido o mesmo que alcançamos. Dois: Nossa desgraça está aqui, com os sempre donos do poder. Estratos esclarecidos no andar de cima são minoria. Informação é coisa para poucos. A grande maioria da população é desinformada e erramos muito no provimento de acesso à escola. Três: é muito claro que o país precisa de uma revolução educacional, mas a obviedade da premência de uma revolução institucional não ganha o devido status de urgência. Vivemos de remendos institucionais, misturados com desfiguração, p. ex., da Lei de Responsabilidade Fiscal (2000), das Agências Reguladoras (criação iniciada nos anos 1996-98), do aparato fiscal. Haja prejuízos à economia, ao cidadão, à Nação.
Pior. No campo fiscal, uma ameaça já contratada para o governo a se iniciar em 2023 - inflação no 3º. ano consecutivo acima da meta, e o aparato de política macroeconômica sustentado só pelo lado monetário. Sobre o pilar fiscal, pergunte-se ao Centrão, que dificilmente perderá influência no Parlamento. E o Centrão (efetivamente no comando) não combina com racionalidade macroeconômica, incompatibilidade recentemente lembrada por Edmar Bacha.
Em um país tão desarrumado, a crise global da própria democracia e a crise ucraniana nos pegam bem desprevenidos. E, se alguém dissesse que o Presidente faz molecagem com instituições brasileiras, tal afirmação poderia até parecer eufemismo diante do que se vê, desde 2019. Um sinônimo é traquinagem. Mas o sentido desses vocábulos pode ter carga negativa muito maior do que alguma (pequena) molecagem de crianças ou rapazes traquinas. Vindo de quem sequer respeita a liturgia do cargo, pode ser algo ainda mais infame. E já faz bastante tempo da descoberta de que o céu é o limite. A tal graça jurídica concedida a um aliado condenado pelo STF, antes mesmo de 24 horas depois da decisão da mais alta Corte do Judiciário, é afronta impensável. Além disso, tudo deste governo vem adornado com uma "Novilíngua" que lembra o ''1984' de Orwell, distopia em que "o Partido" tinha três lemas básicos: 'Guerra é Paz', 'Liberdade é Escravidão', 'Ignorância é Força'. E havia o culto ao Ódio. Quanta semelhança com o "Operação Militar Especial" de Putin, na Ucrânia, e com a usual "defesa" da democracia, feita pelo presidente brasileiro...
Tarcisio Patricio, economista e professor aposentado (UFPE)