Estados Unidos, Brasil e o mundo entram numa etapa de inflação mais elevada. A nova era em termos globais já começa a ser chamada de permaflation – inflação crônica e permanente – ao menos acima de patamares históricos recentes de décadas passadas, quando esteve mais comportada.
Essa é a big picture com que trabalham autoridades monetárias e especialistas internacionais ao analisar a frequência e constância de preços crescentemente altos no mundo atualmente. Outros ciclos e situações inflacionárias ganham nomes como stagflation, deflation ou hyperinflation.
A inflação acumulada mundial na década passada foi de 48%, com base no banco de dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), variação inferior aos 133% da primeira década do século atual. De 1984 a 2021, o mundo acumula inflação pouco acima de 2.800%.
No geral, a ruptura nas cadeias de suprimento globais desde a pandemia, fortes estímulos fiscais no período, variações climáticas sobre a produção agrícola e os choques Guerra da Ucrânia na formação de preços, geram efeito dominó e caldo viçoso transborda a panela de preços.
A inflação domina a discussão econômica mundial, de forma não vista nas últimas décadas. Para o presidente americano Joe Biden, a luta contra a inflação é “prioridade doméstica máxima”.
Em dozes meses, a inflação americana acumula 8,3% até abril. Nada pouco para os Estados Unidos. No Brasil, estamos acima de 12%, maior taxa para doze meses desde outubro de 2003 (14%). Na França, a inflação atingiu 4,8%, a maior desde novembro de 1985.
A britânica The Economist calcula que os jornais publicam hoje quatro vezes mais matérias sobre o tema inflação do que há um ano. O francês Le Figaro alerta em alto de página que os aumentos tendem a se generalizar e sobre o risco de uma espécie de auto propagação de aumentos.
No Brasil, a taxa básica já foi para 12,75% e a autoridade monetária parece atenta para levar tanto quanto possível a inflação para a meta anual e evitar desancorar as expectativas dos agentes econômicos – que, no entanto, já enxergam a taxa fora da meta em 2023 e 2024.
Para especialistas e autoridades monetárias, toda uma era de inflação relativamente baixa fica para trás. O ex-economista chefe do Banco da Inglaterra, Andy Haldane, antevê que a inflação alta deve prosseguir até 2024 e produzir um “choque maciço para o sistema”, por uma geração.
A economista-chefe do Banco Mundial, Carmen Reinhart, vai além: a escalada inflacionária aprofundará as desigualdades entre nações ricas e pobres.
Como pano de fundo, visualiza que os preços dos alimentos nas famílias em países mais pobres – mais dependentes de importações de alimentos e menos capazes de lidar com os problemas da cadeia de suprimentos – enfrentarão saltos maiores nos preços que famílias em países mais ricos.
Na perspectiva brasileira, os dois maiores fatores de incerteza sobre a inflação são a pandemia e os efeitos da Guerra da Ucrânia, disse à coluna o coordenador do Índice de Preços ao Consumidor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), André Braz.
“São fatores que não há como prever e podem colocar por terra políticas fiscal ou monetária, além de tornar a inflação mais persistente, por horizonte de tempo que não imaginamos”, afirma, embora creia que os próximos anos serão mais de ajustes, do que inflação permanente alta.
O economista Armando Castellar, professor da FGV e do Instituto de Economia da UFRJ, concorda com a tendência de inflação mais alta no mundo e avalia que, apesar da retórica, autoridades monetárias buscarão inflação mais baixa, embora não na meta, com juros reais não tão altos.
Esta forma de meio termo resultaria de preocupações com os impactos fiscais com o juro real mais alto, a saúde de mercados financeiros mais alavancados no mundo e porque inflação pouco mais alta ajuda a lidar com desafio fiscal dos estímulos intensos no mundo durante a pandemia.
Nos Estados Unidos, apenas duas vezes desde a Segunda Guerra Mundial a inflação aumentou tanto quanto no ano passado. Nos dois casos, choques de oferta alcançaram uma economia aquecida, como agora.
Inflação mais controlada é mais compatível com menos reposição salarial, crescimento econômico mais lento, desemprego maior, tudo temperado a aumentos frequentes na taxa básica de juros. Quem suportará esse freio de arrumação e a que preço, na terceira década do novo século?
Nilson Brandão, advogado, jornalista e consultor