Existe uma sequência que se repete depois dos desastres chamados de naturais. Primeiro, a solidariedade da população no socorro imediato às vítimas. Depois, a emocionante distribuição de donativos de toda ordem. A seguir, vem o anúncio da liberação do FGTS, dinheiro que já é das pessoas. Quando o sol aparece, ouve-se o barulho dos helicópteros sobrevoando o estrago. Não sei por que, toda vez que vejo um helicóptero observando do alto o cenário de destruição, lembro dos abutres, há décadas. Mesmo sabendo que promovem a limpeza da área, não simpatizo com eles. Piores são os que não participam da limpeza e só gastam gasolina.
No decorrer dos dias vem os decretos de emergência, calamidade pública e muitas promessas: habitação, cuidado com as encostas, limpeza de canais, barragens, coleta de lixo e anúncio da liberação de milhões. Na semana seguinte divulga-se a advertência de que deveria ter sido evitado o contato com água contaminada e chega o surto de Leptospirose com mais mortes. Todo ano, quando aumentam os casos de leptospirose, penso nos ratos, grandes e pequenos. Não simpatizo com eles, principalmente com os que se aproveitam da dispensa de licitação para roer as verbas destinadas à proteção dos morros e construção de barragens.
Com as cenas de destruição e mortes, chegam as cobranças e a revolta, temperadas com o fato de que todo mundo sabe que chuva no Recife é e sempre será um problema.
Poderia ser menor.
No dia seguinte ao dilúvio, impressionava o cenário de lixo ornamentando o manguezal nas margens do Capibaribe. Deveria ser proibido gastar dinheiro público com propaganda que não fosse direcionada à educação sobre o tratamento do lixo que entope bueiros e canais.
Depois vem o São João, as eleições e pronto.
Na campanha eleitoral surgem projetos computadorizados mostrando a água bem-comportada nos canais arborizados, prometendo convívio pacífico com a natureza. Eleitos, escolhem afilhados que passam o primeiro ano tentando tomar pé no assunto, abandonam os projetos em andamento para dar o seu toque pessoal. Ficam contra a correnteza, descobrem que não sabem nadar e naufragam. Resta-lhes comparar os milímetros da chuva com as maiores do ano, da década ou do século.
Aí o governo acaba.
Claro que não é possível evitar uma tempestade, mas também é claro que o que tem sido feito para evitar suas consequências é insuficiente. É um problema complexo, trabalho para uma geração e não para um governo. Talvez possa ter rumo se houvesse um projeto amplamente discutido pela sociedade, técnicos e políticos, aprovado para execução ao longo de décadas, cabendo aos gestores a obrigação de gerenciá-lo, sem improvisos.
Enquanto isso, ficamos entregues aos ratos e abutres.
Sérgio Gondim, médico