Bicho papão: mentira tem poder de deixar sequelas

Dizem os entendidos, que atualmente as notícias falsas são a maior ameaça à democracia no mundo. Nas campanhas eleitorais é muito fácil fazer acreditar em bicho papão. Nos Estados Unidos, canhões dispararam a notícia de que Obama não teria nascido naquele país e seria responsável pela criação do Estado Islâmico. Apesar de provas e provas de que veio ao mundo no Havaí, até hoje milhões continuam jurando que viram o parto na caverna do oriente.

Aqui, uma professora disse, "vi o vídeo com meus olhos", mostrando que um candidato iria instituir banheiro único para homens, mulheres, adultos e crianças. Tinha certeza de quem defenderia o aborto e fecharia os templos religiosos. Só faltou dizer quem comeria o fígado das criancinhas.

Tremendo os lábios e as extremidades, muita gente adquiriu a certeza de que seria o fim da propriedade privada, do décimo terceiro, dos auxílios e da CLT. Que seria promovido o uso das drogas, traficantes seriam soltos, principalmente os mais íntimos. As aposentadorias seriam congeladas e até a eliminação de idosos para dar folga à previdência estaria no programa.

Só faltou a perna cabeluda e requentar a notícia de que iria estourar Tapacurá.

Uma cidadã se debateu ajoelhada, parecendo fundamentalista, dando graças aos céus pela prisão de um ministro do Supremo. Acreditou sem pestanejar e até agora deve estar em dúvida se o próprio ministro teria concedido um habeas corpus evitando a prisão. Rezou em vão e talvez tenha ferido os joelhos.

Tendo as postagens em seus grupos como fonte exclusiva de leitura, muitos acreditaram de pés juntos que havia candidato contra a família. Assim, genericamente. É uma estratégia eficiente, pois ninguém vota contra a família. Bastava fazer acreditar no rótulo, para evitar o voto.

Mentira deixa raízes, tanto é que até hoje tenho dúvidas sobre o bicho papão e sou meio arredio à estranhos. Na infância me diziam para ficar longe deles porque gostavam de roubar crianças e sumir com elas. Diziam também que todo leite era batizado com 50% de água. Até hoje, se dependesse de mim, só tomaria o da vaca do vizinho Medeiros, o único que via sair da fonte com garantia de origem e pureza. Mesmo agora sabendo que não se usa tanta água assim, ficou no ar a suspeita e ao tomar leite ainda imagino o percentual de água que contém.

Mentira tem poder e deixa sequelas.

Tivemos uma eleição com muitas acusações, para lá e para cá. Agora acabou. Nem santos, nem diabos, nem mitos. Temos governantes eleitos pela maioria. Que comecem a trabalhar pois há muito por fazer no mundo real.

 Sérgio Gondim, médico