A Metanoia e o Rock

Metanoia, do grego, tem três definições no Aurélio: transformação fundamental de pensamento ou caráter, conversão espiritual e penitência. Pensando bem, é uma só pois pode ser tudo isso
ERMANO MELO
Publicado em 13/12/2022 às 0:02
Rock in Rio Foto: Divulgação


[...]O momento do meio-dia, ou metade da vida, é o que Jung denomina metanoia, a ocasião em que a consciência deve abrir- se para o outro lado e, sentindo-se mais fortalecida, pode reconsiderar o valor criativo do inconsciente e voltar-se para o que ainda lhe falta desenvolver [...]Carl Jung usou o termo metanoia para a meia idade, a faixa entre 40 e 59 anos pois após os 60 temos vaga exclusiva nos estacionamentos. Jung é poético: [...]A vida desce agora montanha abaixo, com a mesma intensidade e a mesma irresistibilidade com a que subia antes da meia idade, porque a meta não está no cume, mas no vale, onde a subida começou [...].
Metanoia, do grego, tem três definições no Aurélio: transformação fundamental de pensamento ou caráter, conversão espiritual e penitência. Pensando bem, é uma só pois pode ser tudo isso. As experiências, as alegrias e as dores da vida criam um privilégio: olhar para o passado ainda com tempo para mudar o futuro. Sem a certeza dos jovens e a resignação dos idosos, sem ilusão da eternidade e sem o fim iminente, nós ainda temos tempo.
E o Rock? Como diria Jack, o estripador, vamos por partes. Nossos anos dourados foram inundados por forró, axé, pagode, MPB, brega e lambada. Rock, especialmente o internacional, só chegava em raras fitas K-7, LPs ou nas aulas da Cultura Inglesa e as letras não nos eram fáceis de entender. Porém veio o Rock in Rio em 85 e a TV, para compensar a terrível Malt 90, exibiu Freddy Mercury e a catarse com Love of my Life; foi um portal para outro mundo e corri para gravar uma fita para o chevette.
Saltando décadas, veio o sec. 21 e a explosão de festas nos expulsou do sofá. Esqueçam os megaeventos, falo das menores, para nós, de cada um, algo como os 40 anos da Over, as de Tony no Nui ou uma do Fusca 69. Nessas estamos sós, apenas os metanoiados. Aqui a verdade aparece.
Encontramos ex-casais com novos parceiros; recém separados sangrando ou aliviados; sozinhos ou em grupos; mesmo casal há décadas ou no segundo/terceiro casamento; desafetos agora simpáticos; cabelos pintados, grisalhos ou ausentes; ex-obesos Cross fiteiros e ex-atletas pançudos; gente que se tornou ou deixou de ser bonita; o silicone, a lipo e o Botox são o único consenso, mas não importa pois já não julgamos mais, afinal também estamos lá.
Só sabemos que temos nosso próprio tempo e nada do que foi será do jeito que já foi um dia. Contudo, algo assim exige apenas um ritmo, o Rock! O axé manda sair do chão e já não temos menisco para o pouso; pagode é na praia, com pouca roupa e não queremos expor os músculos; brega sem Reginaldo é heresia; forró requer parceiro, fôlego e quando temos um, nos falta o outro; MPB só em barzinhos; lambada já esquecemos os passos; sertanejo só Nuvem de lágrimas ou Evidências e funk apenas as mulheres dançam.
O Rock é inclusivo, conta todas as histórias. U2, Depeche Mode, Bon Jovi, Rick Astley, Queen, Dire Straits, Guns N`Roses, The Police, Aerosmith, Red Hot Chili Peppers, Pink Floyd, Scorpions, Michael Jackson e Madonna são Rock, Pop ou Pop-Rock? não interessa, para nós é tudo Rock e cada um tem seu jeito: pulando ou parado; só ou com alguém; olhos fechados ou abertos; rindo ou chorando; cantando, calado ou fazendo de conta que sabe a letra, tanto faz.
Felicidades e tragicidades; brigas e reencontros; velórios e nascimentos; pais vivos ou mortos; filhos, netos, enteados ou a falta deles; traições e fidelidades; sucessos e fracassos; doenças e curas; sonhos realizados ou frustrados. Aprendemos que o bem e o mal são águas da mesma nascente e banham a todos - isso é a metanoia - e apenas o Rock nos entende.
Uma ressalva, me perdoem, mas apesar das nossas boas bandas, tem que ser Rock internacional e melhor ainda se você não souber a letra, porque assim a música dirá o que você quer ou precisa ouvir. A avalanche emocional só é possível e avassaladora se o futuro e o passado duelarem com a memória e a imaginação em punho para se tornarem presente. Rock é isso.

Ermano Melo, oftalmologista



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