Endividamento e Crise no Varejo

Dados da SERASA impressionam conforme demonstra o Mapa da Inadimplência e Renegociação de Dívidas com informações de outubro de 2022
JORGE JATOBÁ
Publicado em 26/12/2022 às 22:22
Poder de compra do cidadão está a cada dia menor Foto: Felipe Correia


Informações sobre comercio varejista ampliado no Brasil evidenciaram, em outubro, uma situação surpreendente e preocupante. Em 12 meses, até outubro, a queda do volume de vendas foi da ordem de -5,7%, uma perda substantiva.

Se, também para outubro, a economia está crescendo (3,1%, também em 12 meses pelo IBC-Br), se o saldo entre admissões e demissões é significativamente positivo (2,3 milhões de empregos até outubro), se o Auxílio-Brasil continua transferindo renda para as famílias, porque as vendas no comércio varejista estariam despencando?

A resposta é que concorre com as despesas das famílias com bens e serviços, o comprometimento da renda com dívidas, algumas pagas, outras não, mas que precisam ser renegociadas. E os dados da SERASA, neste sentido, impressionam conforme demonstra o Mapa da Inadimplência e Renegociação de Dívidas com informações de outubro de 2022.

A grande maioria das famílias brasileiras está endividada (79,3%). O percentual da população inadimplente estava em 42,6% em outubro de 2022. Isso representa um contingente de 69,06 milhões de pessoas, 5,66 milhões a mais do que no mesmo mês de 2021, com dívida média de R$ 4.366.

O total da dívida monta a R$ 301,5 bilhões. Essa inadimplência vem se expandindo, desde 2021 e ao longo de 2022 o crescimento foi contínuo. Em outubro de 2022, 2,8 milhões de acordos, 600 mil do que em outubro de 2021, tinham sido fechados.

Neste contexto, a iniciativa para permitir que as famílias beneficiárias do Auxílio-Brasil pudessem obter empréstimos consignados a juros relativamente levados deve ter contribuído ainda mais para aumentar o endividamento e mais adiante com certeza a inadimplência.

A maior parte das dívidas é com cartão de credito (28.79%), a segunda é com o pagamento de energia, água e gás (22,04%) e a terceira com o varejo (11,93%), ou seja, com as redes do comércio que vendem a prazo.

Entre as dívidas com cartão de crédito, deve haver também parcela significativa com o comércio varejista. Nesse contexto, a iniciativa para permitir que as famílias beneficiárias do Auxílio-Brasil pudessem obter empréstimos consignados a juros relativamente elevados deve ter contribuído ainda mais para aumentar o seu endividamento e, mais adiante, gerará, por certo, maior inadimplência.

A recessão induzida pela pandemia, em 2020, e seus efeitos colaterais em 2021 e 2022, rompeu ou reduziu os circuitos de geração de renda formal e informal no mercado de trabalho brasileiro. Isso reduziu muito a demanda pelo varejo e sobretudo pelos serviços, especialmente aqueles prestados às famílias que exigiam a presença física do supridor. Os serviços recuperaram, mas o varejo não.

A inflação, recentemente em queda, mas ainda alta, subtrai poder de compra das famílias contribuindo também para a queda do varejo sobretudo nos segmentos que vendem bens semiduráveis e duráveis, estes últimos, como os eletrodomésticos, com valor unitário elevado e que exige parcelamento em um número significativo de vezes. A alta taxa de juros, por sua vez, aumenta o valor da dívida e de cada parcela, inibindo as compras.

Portanto, o pagamento de dívidas, juros elevados e inflação ao longo de 2022 retiraram renda das famílias que seria destinada para compras no varejo, o que explica a substancial queda no seu volume de vendas ao longo de 2022. Todavia, a alta acelerada do endividamento foi determinante para reduzir a demanda das famílias pelo comércio, inclusive os da construção civil, veículos, peças e componentes.

O endividamento- que resulta com frequência na inadimplência e renegociação-inibe o consumo das famílias. Inflação e juros elevados são importantes coadjuvantes neste processo.

As famílias contraem dívidas e enfrentam enormes dificuldades para pagá-las. A renda do trabalho é insuficiente, havendo necessidade de se endividar para atender compromissos e necessidades. Com frequência a resultante é o estrangulamento financeiro que se manifesta na incapacidade de saldá-las e à renegociação.

Jorge Jatobá, Doutor em Economia

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