La Madonna col Bambino e a Lei Rouanet

Uma obra de arte verdadeira causa uma atração intransponível e produz uma catarse, uma paralisia dos sentimentos que nos remete ao divino do qual fomos gerados
ERMANO MELO
Publicado em 04/02/2023 às 0:00
Claudia Raia no palco: dinheiro da Lei Rouanet: nossa Madonna? Foto: BETO OLIVEIRA/DIVULGAÇÃO


Filippino Lipi, Masaccio, Michelangelo, Raffaello e outros renascentistas têm em comum uma pintura da Virgem com o menino Jesus. Era quase uma competição para ver quem melhor representava a sagrada imagem. Florença era o palco pois capital mundial da arte em todas as expressões. Brunelleschi na arquitetura, Donatello na escultura e Masaccio na pintura foi o triunvirato que precedeu diversos gênios que até hoje nos encantam, como Perugino, Ghirlandaio, Boticceli e Da Vinci.

Como foi possível tamanha explosão de talentos? A antiguidade clássica e a escatologia cristã eram a inspiração, todavia havia custos. Como patrocinar tanta criação? Uma das respostas é o enriquecimento burguês pelo aumento do comércio no mediterrâneo e o mecenato advindo da riqueza excedente.

Caio Mecenas (68-8 aC) foi conselheiro de Augusto no Império Romano que, pelo incentivo e patrocínio de artistas e literatos - entre eles Virgílio, autor de Eneida -, deu origem ao termo. Em Florença, os principais foram os poderosos Médicis, Cosimo e depois Lourenço, o Magnífico; em Milão, Galeazzo Sforza; na França, o Rei Francisco I e na igreja os Papas Júlio II e Leão X.

Mas porque a arte e a beleza são tão valorizadas? Marcus Boeira, professor de filosofia explica o anseio pela estética por meio da metafísica. Segundo o autor, a busca pelo transcendente do ser se dá pela verdade, pelo bem e pela beleza. A verdade conhecemos pela inteligência e pela lógica, o bem pela vontade e ética e a beleza necessita de várias faculdades humanas, principalmente a memória e a imaginação.

O belo não é demonstrável pela inteligência, só pode ser acessado pelo ato contemplativo. A beleza preenche a necessidade inata de buscar o sentido da vida; é a saída do imediato insuficiente para o mediato suficiente; situa-se entre a intelecção e o espiritual; é a busca da plenitude nessa vida ou post mortem. Uma obra de arte verdadeira causa uma atração intransponível e produz uma catarse, uma paralisia dos sentimentos que nos remete ao divino do qual fomos gerados.

La Maddona col Bambino foi retratada de modos diferentes, ou seja, são diversos signos, mas só um significado: a mãe de Deus e o Logos encarnado; o transcendente do ser está presente em todas as imagens pois a fonte da inspiração é a mesma.

Também tivemos nosso mecenas; D. Pedro II patrocinou diversos artistas através da Academia Imperial de Belas Artes, segundo Lilia Schwarcz em As Barbas do Imperador. Atualmente, nosso principal mecenato é pela Lei Rouanet, que incentiva eventos culturais por uma parceria com empresas e pessoas físicas, uma louvável inciativa do distante governo Collor.

Recentemente, ficamos sabendo que uma famosa atriz foi contemplada pela Lei Rouanet com uma soma vultosa para a produção de dois espetáculos. A artista tem agora a responsabilidade de produzir duas belas obras, algo como as peças do grego Aristófanes (447-385 aC) que foram reencenadas por séculos, caso contrário será apenas entretenimento com fins lucrativos; nada contra, porém mera distração não é digna de mecenato, pois não tem a centelha do divino.

Mas sejamos otimistas! Talvez a artista, que está grávida, seja a nossa Madonna col Bambino, que nos levará ao esplendor da beleza quando entrar no palco e nos fará esquecer as suas antigas interpretações, em especial a Tancinha, que balançava os melões na altura dos seios para provocar o seu par romântico da época, um grandalhão que ficou famoso mesmo pelos seus papéis pornográficos.

Ermano Melo, oftalmologista

 

TAGS
arte obras de arte Beleza
Veja também
últimas
Mais Lidas
Webstory