A vergonhosa manobra de Jair Bolsonaro para se apropriar, privadamente, dos milionários presentes do governo da Arábia Saudita mostra a verdadeira face do moleque político que esteve no poder até o ano passado. Todo o evento está cheio de estranhos componentes, a começar pela “informalidade” da entrega das joias a um ministro – o ministro das Minas e Energias, Bento Albuquerque – quando Bolsonaro e a primeira-dama (principal presenteada) sequer tinham visitado a Arábia Saudita. São muitas perguntas sem resposta e, se o presente era mesmo privado, houve um crime de sonegação fiscal, tentando passar as joias pela Alfândega sem declaração e pressionando, depois, para a sua liberação pela Receita Federal.
Se tudo isso é muito obscuro e vicioso, tem sido inescrupulosa a tentativa de setores do PT, a começar pela sua presidente, Gleisi Hoffmann, de descobrir uma conexão dos presentes da Arábia Saudita com a privatização da refinaria Landulpho Alves. Depois que ela publicou um twitter sugerindo que as joias eram uma retribuição dos “amigos árabes” de Bolsonaro pela compra da refinaria, multiplicaram-se as postagens nas redes sociais misturando os fatos com o único propósito de desqualificar a política de desestatização. A FUP-Federação Única Petroleiros entrou com pedido de investigação no Ministério Público Federal (MPF) de uma eventual relação entre as joias doadas pelo governo da Arábia Saudita e a venda da refinaria, e o senador Omar Aziz informou que vai levar o tema para a Comissão de Transparência e Fiscalização do Senado.
Difícil saber se estamos diante de uma manipulação maliciosa para bombardear as propostas de privatização, ou de uma enorme ignorância de geografia. A Arábia Saudita não tem nenhuma relação com a refinaria Landulpho Alves, que foi adquirida em leilão pelo Mubadla Capital controlado pelo fundo soberano de Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos. Ou Gleisi Hoffmann e companhia acham que os Emirados Árabes Unidos e Arábia a Saudita são a mesma coisa (como se, afinal, “tudo é árabe”), ou resolveram simplesmente confundir os brasileiros na sua campanha retrograda contra a privatização de empresas estatais, particularmente das refinarias controladas pela Petrobrás. Seria melhor acreditar que se trata de ignorância, desconhecimento mínimo de geografia e das diferenças entre os vários Estados árabes. Parece mesmo provável que as afirmações da presidente do PT têm um pouco dos dois, ignorância e manipulação política dos fatos.
Como o PT e a sua presidente são contra qualquer iniciativa de privatização, costumam repetir que tudo é “vendido a preço de banana” e tentam sempre descobrir corrupção no processo de venda ou concessão, embora as estatais sejam adquiridas em leilões públicos e abertos. Agora, aproveitam a malandragem de Bolsonaro tentando se apropriar de joias que teriam sido presenteadas ao Estado brasileiro para alimentar a insidiosa campanha estatista com base numa mentira, uma fake news, para usar uma expressão da moda.
Pode até haver argumentos contrários à privatização de alguma estatal mas, não existe nenhuma razão estratégia para a Petrobrás continuar mantendo o quase monopólio das refinarias no Brasil. A corporação controla 95% da capacidade de refino do Brasil através de 13 das 17 refinarias que operam no território nacional, quase todas elas inauguradas entre 1950 e 1980 (a única exceção é a Refinaria Abreu e Lima que ainda não opera de forma integral), quase monopólio que gera desconfiança em relação ao controle de preços dos combustíveis e à interferência política, o que desestimula os investimentos privados.
Para ampliar os investimentos no refino, atraindo capital privado para aumentar a oferta e a concorrência, é necessário quebrar o quase monopólio da Petrobrás, o que passa pela privatização de grande parte das suas refinarias. Nos últimos anos, a demanda brasileira vem crescendo, mas a capacidade de refino estacionou. Alguns poucos projetos da Petrobrás vêm se arrastando com investimentos muito elevados e limitada capacidade executiva, e os investidores acompanham com reservas o promissor mercado de combustíveis do Brasil.
A anacrônica ideologia estatista do PT, bem representado por sua presidente, carece de argumentos econômicos e estratégicos para refutar os programas de desestatização, particularmente a privatização de refinarias de petróleo. Na disputa de narrativas, parece que vale tudo, inclusive a fusão dos Emirados Árabes Unidos e da Arábia Saudita. Ainda bem que os líderes dos dois países, o emir Maomé bin Zayed Al Nahyan e o sheik Mohammad bin Salman, respectivamente, não leram os disparates da presidente do PT.
Sérgio C. Buarque, economista