Julgar, partindo da premissa em realce, é sobretudo atividade solitária, que se torna compartilhada nos órgãos colegiados, mas que é eminentemente personalíssima, suscetível a incompreensões.
A garantia constitucional do julgamento justo, exercido pelo juízo natural, alcança não só o Judiciário, como os processos administrativos. Aliás, o princípio há pouco referido, o do juiz natural, é enunciado nas Constituições brasileiras desde 1937, e implica em uma limitação dos poderes do Estado, que não tem a prerrogativa de instituir tribunal de exceção, nem muito menos tribunal pera cada caso específico.
Por sua vez, na Convenção Americana de Direitos Humanos - da qual o Brasil é signatário -, o artigo 8º estabelece que todos têm o direito de serem ouvidos por um "juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente pela lei".
Julgar é reunir jurisdição, autoridade e legitimidade, e não agir como se fosse um juízo universal, exceto no direito falimentar. Critério de competência não se elastece quando em possível risco o bem imaterial da liberdade humana.
Mesmo nos denominados casos difíceis ("hard cases"), nos quais as regras jurídicas não ressoam tão claras ou não alcançam determinado aspecto da controvérsia, o juiz deve incansavelmente buscar pacificar o conflito, o que remete às aulas de Ronald Dworkin ("Teoria do Direito como Integridade"), para quem em horas assim é premente o socorro aos princípios jurídicos, versus Richard Posner ("Teoria Econômica do Direito"), que entendia que não havia uma resposta certa para a resolução de um caso com essa feição.
Julgar não é fácil, nem simples, embora aparente ser ambas as coisas. É também uma forma de defender. Julgar é não ter o receio da impopularidade ou de desagradar. Julgar é dirimir o impasse, é dar razão a quem a demonstra possuir.
Sem dúvida, o julgador pode se equivocar. Pode é óbvio ser injusto. Quem nunca? Para isso, no entanto, existem os recursos. Julgar pode, mesmo, ensejar omissão, obscuridade ou contradição. Nessas horas entram em cena os embargos de declaração, patinho feio do sistema recursal. Os aclaratórios podem até, corrigido o vício de compreensão da decisão embargada, resultar na modificação da conclusão no julgamento principal. Julgar é não acreditar que não se pode errar, mas fazer o máximo para acertar.
Um dos grandes nomes a ter passado nos últimos anos pela mais alta Corte de Justiça do País, o STF, o sergipano Carlos Ayres Britto, declarou certa vez ao Consultor Jurídico (29/10/2012): "A partir do instante em que nós, ministros do Supremo, a cada voto, formos interpelados ou insultados, não teremos mais condições psicológicas para trabalhar em paz".
Por isso é que a boa técnica ensina que a discórdia da palavra de um julgador, só pela via do recurso pertinente pode ser expressa, nunca de outra maneira. É assim, com tal espírito, como determina a Constituição promulgada em nome do povo, a Carta Cidadã.
O papel do juiz passa, inclusive, por ter de ser contramajoritário diante da opinião pública, em casos rumorosos ou tingidos de requintes de sensacionalismo. Nada disso o deve impressionar. Vale o destaque de que nem ao pior dos acusados se pode recusar uma defesa técnica de qualidade, nem se pode aceitar pressionar o magistrado para que leve em consideração de modo especial a "voz das ruas" contra a instrução processual inconclusiva pela autoria.
Julgar é pronunciar-se nos autos do processo, não fora deles; julgar é nunca adotar a retórica ou o comportamento contrário à ordem constitucional que se jurou defender, a ordem jurídica do Estado de Direito, inclusive, por incentivo, estímulo, apologia ou exaltação. Julgar é ser uma sentinela dessa chama, para que nunca se apague.
Finalizo citando outro filósofo grego, Sócrates, cujas lições sigo, por que a elas me filio sem precisar pensar duas vezes: "Três coisas devem ser feitas por um juiz: ouvir atentamente, considerar sobriamente e decidir imparcialmente". Não tem como resumir tão difícil sacerdócio com clareza maior.
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado