Primeira infância: competência e financiamento

Este é o momento de colocar a primeira infância como foco prioritário da gestão, pois tem sido uma área pouco lembrada pelas três esferas de governo, incluindo as próprias instituições de controle
RANILSON RAMOS
Publicado em 09/04/2023 às 2:00
Ranilson Ramos, presidente do Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE) Foto: DIVULGAÇÃO


O Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE) realizou, no último dia 3 de abril, no auditório do Cais do Sertão, o seminário “Primeira Infância: Competência e Financiamento”. O evento reuniu prefeitos, gestores públicos de todos os municípios pernambucanos, além de representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, do Ministério Público, entidades acadêmicas e da sociedade civil.

O propósito do encontro foi chamar a atenção de todos para a insuficiência do financiamento público para garantir a efetividade das políticas públicas voltadas à primeira infância, além de estabelecer um pacto entre Poderes, Órgãos de Controle, Gestores Públicos e a Sociedade.

Confiantes na premissa de que cuidar da primeira infância é dever de todos, ressaltamos, durante o Seminário, que o comprometimento desses atores é essencial para a efetiva garantia dos direitos das crianças de zero a seis anos de idade no Estado, em razão de esse período ser o mais decisivo para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social das crianças.

Obviamente, precisamos considerar as ações que o país tem procurado desenvolver no campo da educação infantil (que abarca quase a totalidade do período da primeira infância), com a criação de programas e políticas públicas voltadas para a promoção do desenvolvimento integral das crianças. Mas, precisamos também reconhecer que tais ações são ainda muito tímidas e sem foco nos protocolos exigidos para o enfrentamento do tema.

O fato é que, a despeito das boas intenções dos poderes legislativo, executivo e judiciário, a realidade das nossas crianças é ainda muito cruel e desafiadora. Os indicadores relacionados a esse tema – acesso à escola, mortalidade infantil, desnutrição, vacinação, desigualdade, violência doméstica, por exemplo – ainda deixam a desejar. Passados dez anos da aprovação do Plano Nacional de Educação, a sua Meta 1, que pretendia "universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 a 5 anos de idade, e ampliar a oferta de educação infantil em creches, de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de zero a três anos até o final da vigência deste PNE”, não foi cumprida no prazo, e ainda está longe de ser alcançada.

Dados do Ministério da Educação apontam que a meta em relação às creches só chegou a 37% dos 50% almejados na média nacional.

Por isso, tenho afirmado, em todos os fóruns, que este é o momento de colocar a primeira infância como foco prioritário da gestão, pois tem sido uma área pouco lembrada pelas três esferas de governo, incluindo as próprias instituições de controle. Precisamos, urgentemente, priorizar recursos e garantir dotações específicas. O lugar da PRIMEIRA INFÂNCIA é, sobretudo, no orçamento público dos três níveis da federação!

No momento em que se discute no país um novo arcabouço fiscal e uma nova reforma do sistema tributário, é fundamental assegurar investimentos nos direitos sociais fundamentais, como é o caso da primeira infância, e instituir um legítimo federalismo fiscal, garantindo aos municípios uma verdadeira autonomia financeira e fiscal. Lembrando que, em matéria de educação infantil, é o município quem detém as maiores responsabilidades orçamentárias.

Por outro lado, enquanto esse novo cenário fiscal-federativo não chega, os gestores municipais precisam, cada vez mais, a partir da elaboração dos seus próprios Planos de Educação e da Primeira Infância, priorizar, na Lei Orçamentária Anual, a aplicação dos recursos para os programas e políticas públicas destinadas às crianças de zero a seis anos, além de zelar pela qualidade e eficiência desses investimentos. Lembro, ainda, que o verdadeiro estadista pensa, em primeiro lugar, nas futuras gerações.

O TCE-PE, assim como fez recentemente na questão do fim dos lixões em todo o Estado (um marco histórico), estará presente também neste esforço cidadão em prol da primeira infância. E faremos isso atuando em várias direções: orientando os gestores, por meio de sua Escola de Contas, realizando monitoramentos, diagnósticos e avaliando o desempenho e a eficiência das políticas públicas nesta área, além de inserir o tema “primeira infância” como prioridade na apreciação das contas anuais de governo dos prefeitos.

Esse compromisso dos gestores, do controle, do TCE, da sociedade em geral, não será fácil, mas, inspirado na poesia, eu costumo dizer que “venho lá do sertão”, sou filho das adversidades, acostumado a retirar pedras e espinhos do caminho. Ao mesmo tempo, aprendi com a vida que um sonho, para ser realidade, não se sonha sozinho. É missão coletiva, e “vamos precisar de todo o mundo”.

Mãos à obra, ou melhor, mãos à primeira infância. Como disse Gabriela Mistral, poeta chilena e ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura: “muitas das coisas que nós precisamos podem esperar. As crianças não. (…). Seu nome é hoje”.

Ranilson Ramos, Presidente do Tribunal de Contas de Pernambuco

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