Afirma a vigente Constituição do País, que, nessa amplitude, recepciona o artigo 260 do Código de Processo Penal, que nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor. A própria presunção de inocência, que é da mesma forma cláusula pétrea constitucional, contém em seu núcleo fundante a ideia de que ninguém pode ser tolhido, como punição, da sua liberdade de ir e vir sem o devido processo legal.
Já pela expressão "devido processo legal" convém que entenda o leigo todo aquele que resguarda o cidadão contra o abuso de poder do Estado-Persecutor, não se exaurindo no direito penal.
Por sua vez, perfaz nesse mosaico uma terceira e por igual importantíssima garantia fundamental (alijada apenas da Constituição opressora de 1937) a da liberdade de expressão, vedada a censura prévia. Sobre o binômio em alusão, porém, é preciso sempre fazer uma ressalva: como não sobejam direitos absolutos, as garantias constitucionais abrigadas no artigo 5º da Carta de 1988 hão de ser sempre desempenhadas com comedimento e razoabilidade, ou tornar-se-ão fatalmente tóxicas.
Aliás, no direito comparado, a própria Convenção Americana de Direitos Humanos, no seu artigo 13.2, impõe freios e contrapesos à liberdade de expressão. A censura prévia, dentro dessa realidade, contrapõe-se à responsabilização civil e criminal do abusador do verbo falado ou escrito. Demais disso, depois de "viralizado", naturalmente que nenhum conteúdo pode ser previamente censurado, por motivos lógicos.
Pois bem então. Muito se fala no "Tribunal (de Exceção) das Redes Sociais" e na rapidez com que a mera acusação, por ali, se transforma em culpa formada, levando à não menos nociva "cultura do cancelamento" e ao linchamento moral, conceitos traiçoeiros por definição, já que podem futuramente investir contra quem deles lança mão na ânsia de opinar e não ficar para trás (inclusive para xingar, destilar preconceitos, ofender, insultar, ridicularizar etc), pouco lhe interessando dar o benefício da dúvida ou mesmo preservar a família do acusado e ele mesmo de um prejulgamento (seara em que pouco aprendeu o homo sapiens, infelizmente, não somente no Brasil, como no restante do mundo).
Se para celebridades e subcelebridades isso tende a produzir perda de seguidores e de parcerias de marketing, às vezes isolamento, depressão e outros males, para os anônimos é um fenômeno mais perverso, que não se pode minimizar. Basta citar o "cyberbullying", prática detestável que, segundo pesquisa norte-americana de 2022, foi identificado como a principal causa de suicídio entre adolescentes. Serão perdas aceitáveis a bem da liberdade de expressão?
O Tribunal das Redes Sociais é ainda invejavelmente produtivo quando seus integrantes se apressam em colocar a opinião pública contra alguém ou alguma instituição. Veja-se, por exemplo, o STF, cuja sede talvez haja sido a mais vandalizada pelos "patriotas" que viraram Brasília de ponta-cabeça no último 8 de janeiro, o dia da infâmia. Não somente o Supremo, aliás, qualquer magistrado que ouse ser contramajoritário. A artilharia retaliatória é certa.
Conspira contra a coletividade a subversão da presunção ínsita ao Estado Democrático de Direito de que o acusado é inocente até que se prove culpado. Mas o Tribunal da Internet possui regimento próprio, que ignora a evolução civilizatória. Dá de ombros para "perfumarias". Não raro, se diz que a defesa nesse sentido é a defesa da própria impunidade. Mesma coisa o terraplanismo. Mesma árvore genealógica. Por mais que se lhes explique algo, não o entenderão nem desenhando.
Que o abusador da liberdade de expressão responda por seus atos é uma coisa; que seja varrido da própria condição humana, reduzido a um nada jurídico, é outra. Divergir e criticar devem ser exercidos com fulcro em informação idônea e não por "achismos". Cautela nunca fez mal a ninguém. O bumerangue arremessado hoje pode amanhã vir a atingir aquele que o arremessou.
Encerro acompanhado do saudoso Mário Quintana e sua poesia: "Sê bom/Mas ao coração/Prudência e cautela ajunta/Quem todo de mel se unta/Os ursos o lamberão".
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado