Gustavo Henrique de Brito Alves Freire
É um caminho sem volta a incorporação da tecnologia ao cotidiano forense. Do processo físico ao eletrônico (PJe), dos atos outrora obrigatoriamente presenciais à videoconferência.
Os Tribunais têm abraçado a inteligência artificial (IA) com o propósito de aumentar a produtividade, como também de buscar a inovação, melhorar a qualidade dos serviços e reduzir custos.
Cito a propósito palavras do Ministro Luiz Fux, do STF, à época seu Presidente: "A automação de rotinas e tarefas burocráticas, que antes apresentava alto grau de dificuldade, passa a ser possível com o uso da IA, reduzindo as etapas formais de um processo judicial e permitindo que o foco passe a ser uma abordagem mais humana, voltada para bem atender os jurisdicionados. Com isso, damos passos importantes na direção de um Judiciário mais acessível e ágil, com a prestação de serviços que atendam da melhor forma as expectativas da sociedade".
Significa então a substituição do homem pela máquina, em uma seara tão fluída quanto a do Direito? É para esse destino que navega a sociedade?
Em janeiro último, o juiz colombiano Juan Manual Padilla fundamentou sentença em ação que versava sobre o direito à saúde com as respostas do "ChatGPT". Trata-se de uma inteligência artificial desenvolvida pela "OpenAI" e que ganhou notoriedade planetária. Em que pese a lei da Colômbia admita, o fato traz legítima preocupação. É a tal coisa: "Fatos e contextos podem mudar o resultado de uma ação e, por enquanto, nenhuma IA é capaz de analisá-los como um juiz humano" (Eduardo Helaehil, Conjur, 17/02/2023).
No entanto, essa premissa reflete apenas parte da realidade, daí por que não pode querer dizer um fechamento de portas à IA. Há cada vez maior convergência no sentido de que a tecnologia está apta a colaborar com a velocidade e a eficiência do Judiciário e deve ser implementada, mas com cautela, para que direitos não sejam suprimidos por análises objetivas que não interpretam contextos.
A tomada de decisão no âmbito judicial envolve bem mais do que o processamento de informações. Sim, tem lógica a automatização das atividades repetitivas e burocráticas. Só que aí deve estar a linha que não se pode cruzar. "A aplicabilidade de um preceito legal ou de uma razão de decisão (forte ou fraca) a um determinado caso, sendo mais do que a simples repetição, fica fora do que pode ser automatizado" (Alexandre Morais da Rosa, CONJUR, 15/01/2023).
A fala aspeada, por sinal, se deu em resposta a outra, esta de Lênio Streck (CONJUR, 03/09/2020), ao questionar: "Um robô pode julgar? Quem programa o robô?".
No que tangencia ao papel do advogado, não é diferente a reflexão. Se nos EUA o uso de robôs tem sido impulsionado por startups, sendo exemplo a "DoNotPay", criadora da ferramenta "robot lawyer", tanto lá, como no Brasil, a prudência crítica é a tônica da evolução que vem acontecendo, e que, mesmo sendo um caminho sem retorno, não pode implicar em um caminho percorrido em desabalada carreira, passando-se por cima de tudo e de todos pela frente.
Por força de lei, a consultoria e a assessoria jurídicas são atividades privativas dos inscritos na OAB, coisa que um robô não tem como ser. Realização de pesquisas é uma coisa; analisar singularidades, subjetivismos, peculiaridades, é outra. A nova advocacia não pode ser reduzida a a signatária e coadjuvante de máquinas. Estas precisam servir àquela, subsidiando-a.
Cito Otávio Morato de Andrade (Revista Jus Contemporânea, volume 02, Rio de Janeiro, set/2021-ago/2022, pgs. 01 a 21): "O lado humano que o suporte do advogado fornece é insubstituível, pois a advocacia requer interação interpessoal, criatividade, processamento de linguagem, compreensão de como funciona a sociedade, sensibilidade e experiência".
A regulamentação da IA não é só uma agenda interessante, instigante, mas sobretudo urgente. Nesse sentido o alerta do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do STJ, em seminário no Conselho da Justiça Federal, em Brasília, recentemente. Os riscos são muito concretos, como dito pelo Ministro. Pois que se encare de frente o novo, que, como cantou certa vez Belchior, sempre vem.
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado