Os manifestantes que invadiram diversas instituições no dia 8 de janeiro de 2023 foram convidados para a Festa da Selma. Os que foram sabiam que não iriam encontrar cerveja, tira-gosto e músicas de Priscila Sena. Os que estavam acampados nas portas dos quarteis também estavam cientes de que balada pacífica não ocorreria. Portanto, todos adentraram nas instituições sem autorização e sabiam o que estavam fazendo.
Os manifestantes não eram militantes do lulismo e do petismo. Eram bolsonaristas radicais que não aceitavam o resultado da eleição democrática. Acreditavam na possibilidade de golpe militar, o qual poderia ter acontecido, caso o presidente Lula tivesse aceitado a sugestão inapropriada de convocar o Exército para a retirada dos invasores dos prédios públicos.
Após o segundo turno da eleição presidencial, milhares de bolsonaristas radicais decidiram ir para frente dos quarteis com o objetivo de reclamar do resultado da eleição. Não considero tal ato, de antemão, como antidemocrático, pois a manifestação pacífica faz parte da vida democrática, mesmo que esta tenha o objetivo de descredibilizar as instituições e o processo eleitoral. Todavia, a permanência dos manifestantes na porta das unidades militares após a diplomação do presidente eleito, representa disposição para atentar contra a democracia.
Militantes adeptos do bolsonarismo radical manifestaram-se contra o resultado da última eleição presidencial e agiram contra a democracia ao invadirem prédios públicos no dia 8 de janeiro. Portanto, eles atentaram contra o Estado de Direito e são sujeitos que agiram com a intenção de mudar a ordem estabelecida, qual seja: a convivência democrática.
A CPMI tem o objetivo de apurar o que aconteceu em 8 de janeiro. O governo Lula não errou ao dizer que não a apoiava, pois, a presença dela pode contaminar o funcionamento do Legislativo e prejudicar o andamento de projetos importantes, como a nova regra fiscal e a reforma tributária. Além de sugerir para o mundo que o Brasil ainda não virou a página do bolsonarismo radical, por consequência, não é um país seguro institucionalmente e economicamente.
O governo Lula errou ao não exigir do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) a disponibilização imediata de todas as imagens da invasão. Foi preciso a CNN divulgar parte das imagens para que o STF determinasse a publicidade de tudo que estava registrado nas câmeras do Palácio. O comportamento do general Gonçalves Dias, então ministro do GSI, perante os manifestantes, gerou dúvidas, ou seja: ele foi complacente com os manifestantes ou estava impossibilitado, naquele momento, de fazer algo?
Tal reposta poderá advir da CPMI. Por isto que ela é necessária. A divulgação de que a ABIN emitiu diversos alertas para o GSI e o governo do Distrito Federal informando da possibilidade de invasão das instituições provoca as seguintes indagações: por que o GSI não agiu? Por que o governo do Distrito Federal não reforçou o policiamento? Por que Anderson Torres, então secretário de segurança pública do Distrito Federal, viajou para Orlando?
O risco da CPMI para o governo Lula é um só: comprovar a hipótese, com robustas evidências, de que militares foram coniventes com invasores. Não restam dúvidas de que membros das Forças Armadas serão expostos. E assim ocorrendo, as relações turbulentas entre Lula e militares ganharão tração. Governar com a desconfiança e a antipatia das Forças Armadas não é desejo de nenhum presidente da República. Ressalto que se Lula cativou os pobres e assim segue, Jair Bolsonaro encantou parcela dos militares.
A estratégia ótima para os parlamentares apoiadores do governo na CPMI é poupar com sabedoria os militares. Sendo claro: alguns serão bois de piranha, outros protegidos. Nunca foi estratégia ótima para os parlamentares bolsonaristas radicais a defesa da CPMI. A CPMI deve ter maioria governista, assim como presidente e relator. Durante a Comissão, Jair Bolsonaro e filhos serão expostos. Deputados e senadores bolsonaristas também. A bomba ambulante contra o bolsonarismo, Anderson Torres, viverá dias sob forte pressão. A delação premiada por parte dele é opção crível.
O bolsonarismo radical segue cometendo erros. Ser radical é o primeiro. Todavia, o radicalismo é o oxigênio dele. O radicalismo tem o poder de criar as tragédias institucional e econômica. Quando presidente, Bolsonaro não conseguiu o caos. Fora do poder e acuado pelas instituições, a força política do ex-presidente é mínima. Considerando as ações das instituições na era Bolsonaro, afirmo que a CPMI não favorecerá o bolsonarismo radical. Ao contrário, ela tem condições de imprimir ritmo no processo de desbolsonarização da política e de fazer com que a próxima Festa da Selma seja democrática.
Adriano Oliveira, doutor em Ciência Política. Professor da UFPE. Fundador da Cenário Inteligência.