Recebo a visita ilustre de meu velho amigo Mario Helio Gomes, o Mario Helio, de antigas lides na imprensa recifense, para um frugal (adoro essa palavra) café da manhã, com direito a macaxeira e queijo coalho frito, em nosso modesto apartamento. Fazia tempo que não conversávamos, desde que ele se despediu de Pernambuco, numa noitada de peixada em nossa casa do Bonsucesso. Ele foi "pras Europa, França e Bahia", e voltou da Espanha com um canudo de doutor em Antropologia pela Universidade de Salamanca, portando o seu livro A História Íntima de Gilberto Freyre, pela CEPE, para me presentear.
Conversamos sobre amenidades, não fofocamos (apenas comentamos modos e costumes de certas figuras) e, como não poderia deixar de ser, emburacamos na literatura - e ele me veio logo com o italiano Petrarca. Como nunca li Petrarca, rebati com Miguel de Unamuno e Calderón de La Barca. Depois, resolvemos citar os mais "novos", e percorremos as obras de Dante, Maquiavel (mais atual do que nunca), Rabelais e o grande e imortal Camões.
Helio atacou com Montaigne, e, como sou fraco no francês, apelei para Cervantes, e ele deu um show sobre Dom Quixote, eu me recordando de ter lido Dom Quixote da coleção de clássicos de papai. E me emocionei, porque ele dizia: "Meu filho, fora dos clássicos, não há salvação." Tentei Lope de Veja mas não lembrava de livro dele. Não falei em Shakespeare porque Helio é insuperável no dramaturgo inglês. Apelei para meu querido Joseph Conrad. E disse a Helio que o "psicólogo do mar" está mais atual do que nunca, porque sua obra é uma formidável denúncia contra o colonialismo europeu, principalmente belga, na África, mas que, sendo um libelo em si contra qualquer forma de colonialismo, serve para combater - salvo melhor juízo - a invasão russa na Ucrânia.
Invasão essa que pretende transformar o vasto e importante território ucraniano em colônia soviética, por motivos geopolíticos de um ditador travestido de legítimo presidente democrata. Assim como Rimbaud previu a bomba de hidrogênio com o seu poema H, Conrad previu a recente agressão da Ucrânia com o seu famoso livro "No Coração das Trevas".
Esse livro inspirou o filme Apocalypse Now, de 1979, direção de Francis Ford Coppola, estrelado por Marlon Brando no auge de sua forma (Paulo Francis dizia que Marlon Brando era o artista mais bonito do mundo) e Coppola conseguiu seu objetivo de querer dar ao público a sensação do horror da guerra do Vietnã.
Arthur Carvalho, da Academia Recifense de Letras