Em busca de mim

Entregar-me-ei, sim, à infinitude dos dogmas e das brumas. Então, serei completa na verdadeira dimensão da existência
FÁTIMA QUINTASfquintas84@terra.com.br
Publicado em 10/05/2023 às 0:00
Na Região Metropolitana do Recife (RMR) o céu deve ficar parcialmente nublado a claro e sem chuva Foto: Felipe Ribeiro/JC Imagem


Trago uma imensa vontade de escrever, mas sempre me assalta o receio do dito. As palavras são superiores e possuem o dom da magia. O ato de assumir a folha em branco me amedronta, mas sigo em frente. Revelo, entretanto, ao leitor as hesitações que me invadem. Não tenho medo. Urge explodir a interioridade, ainda que seja bastante difícil. E, assim, começam os anseios de cada instante.

Como devo expressar-me? Tão difícil a pergunta que prefiro ir falando à toa, na busca de atingir a difícil tarefa da escrita. Olho para os lados e me apego à diversidade. Opto pela ilusão; então, saberei arriscar — tarefa desafiante. Na verdade, tenho plena consciência de quanto a comunicação é difícil... Que o leitor me perdoe, alimentarei a ilusão do dizer, entregando-me ao ato de um vago pensamento.

Hoje amanheceu nublado e a falta de sol me incita a partilhar confidências. Não sei por onde começar, não importa, o desafio do dizer explode em momentos inesperados. Desprezo as definições, opto pela louvação às letras, de modo a iludir-me com um texto pleno de subterfúgios. Assumo a condição de lançar-me à toa, sem compromissos, longe de responsabilidades. Sigo por veredas que me chegam, carregadas de informais conjugações. Explode um anseio recorrente que me leva a momentos desconhecidos. Abraço a liberdade, isso é o que importa. Não me julguem, por favor. Caminhem ao meu lado, cúmplices do silêncio.

E o tempo se aglutina entre enredos desconhecidos. A incógnita do eu me transforma em uma eterna vigilante dos sumos ocultos. Jamais saberei o mínimo da verdade de mim mesma. Os caminhos e descaminhos se cruzam em todas as esquinas, em todas as ladeiras, em todas as incógnitas... Que estarei eu revelando? Talvez o que há de mais desconhecido na própria razão. Pouco importa. Quanto mais me expuser, melhor me conhecerei. Tenho somente duas mãos em busca do que há de imenso na alma. Até onde chegarei? A pergunta jamais será respondida. Que a ciranda do incógnito me acompanhe; assim, entregar-me-ei ao não ser. Vale a pena esmiuçar esconderijos. Urge doar-se ao estranho que nos persegue. Melhor não indagar tão abruptamente. Opto pela ilusão do entorno. E me fascino diante da caminhada — afinal, Ser, é indescritível.

Estou perdida entre palavras conjugadas. Há tanto a pesquisar! De nada sei e nunca saberei: a permanência da complexidade responde a todas as averiguações. Não há respostas para a luta entre os eus. Acabo por optar pelo silêncio que me invade. Porém emerge sempre a fruição do indagar. Que os mistérios se entrosem na multidão dos segredos! Estarei sempre em busca de complexas verdades. Difícil definir o que sinto e escrevo. Já pensei em ocultar-me, esconder-me entre os enredos que me cercam; entretanto, há algo desafiante que não me deixa fugir. Talvez o consolo das alegorias me faça mais inquieta, porém, em absoluta consciência diante das inquietações. Melhor, repetir o poeta: "Meto-me para dentro, e fecho a janela". Entregar-me-ei, sim, à infinitude dos dogmas e das brumas. Então, serei completa na verdadeira dimensão da existência.

Fátima Quintas , da Academia Pernambucana de Letras-fquintas84@terra.com.br

 

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