Fui convidado pelo reitor Alfredo Gomes (UFPE) para fazer uma intervenção na reunião nacional da ANDIFES (Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior) sobre a tema "Formação do Professor". Faço, a seguir, um pequeno resumo das preocupações que ali manifestei.
Há, a meu ver, sinais, neste meu presente universitário, que parecem apontar para futuros que reputo indesejáveis. E o mais indesejável deles -para mim- é a transformação da universidade de um lugar do "como pensar" em um outro, o do "como fazer": receio que seja sobre a dominação hegemônica da "técnica" e orientada por exigências mercadológicas que está sendo reconstruída a instituição universitária. A questão inicial, assim, pode ser esta: como é possível conciliar competitividade, performance, ranqueamento, empreendedorismo e resultados mensuráveis com "universidade solidária, consciente, crítica, democrática, pública e socialmente comprometida" num projeto de formação de professores? Quando vemos ou ouvimos o discurso ao nosso redor, a respeito de ranqueamento, inovação, competitividade, produtividade, gestão, governança, produção, negócios..., denotando e conotando, com uma linguagem nova, a construção de uma outra realidade institucional (mudam-se as palavras para que o sentido que atribuímos às coisas possam também mudar) é porque algo de importante aconteceu e que não se trata simplesmente de "adequar a universidade às exigências dos novos tempos": trata-se de criar este "novo tempo" e apresentá-lo, finalmente, como resultado de uma evolução natural. Há, pois, uma revolução em curso: a que instalará a distopia do homem-recurso dispensável, a que ameaça de eliminar do cenário universitário a resistência crítica, uma vez que ciência "objetiva e neutra" não é objeto de debate público. Mas, se o pensar é exatamente aquilo que interrompe o continuum da vida, que nos retira da ordem imediata do mundo, dos automatismos ideológicos das respostas, do encadeamento causa-efeito..., para suspender, por um instante, nossas certezas habituais e, com isto, permitir o exercício do julgamento, só possível na presença partilhada ou confrontada com a pluralidade de outros pontos de vista, então, uma Universidade da mensuração e do ranqueamento é uma Universidade que não pensa mais!
Quando ouço alguns de meus colegas afirmarem que ao tríptico "Ensino, Pesquisa e Extensão" deve ser acrescentado um quarto -"Negócios"- é porque aquela ideia de uma Universidade como um lugar, ao mesmo tempo, perto e distante da vida ordinária (perto porque é dela, desta vida, que retira sua matéria reflexiva; distante, porque pensar e teorizar implicam distanciamento) se deixa invadir e colonizar pelo ambiente de negócios é porque a distância necessária para se "refletir sobre o quê nos acontece" (H. Arendt) foi suprimida. O que reafirma a condição indesejável, a meus olhos, de uma UNIVERSIDADE UNIDIMENSIONAL (Marcuse). E mesmo que supostamente ela "pensasse", este pensar teria perdido seu predicado essencial: a autonomia. E é aqui onde se abrem as portas da ideologia meritocrátrica, cuja etimologia não explica que contrabandos semânticos foram introduzidos no seu uso atual. Hoje o discurso meritocrático-gestionário, esteio ideológico da "produtividade" acadêmica, cumpre o papel inverso: ele restaura hierarquias, qualifica e desqualifica pessoas em função de critérios não substantivos, distribui privilégios, seleciona "talentos" e, no horizonte, reabilita uma ordem aristocrática: uma Universidade assim representaria o fim de minha própria condição pedagógica.
Mas não posso terminar sem deixar de apresentar algumas questões que eu mesmo não sei como responder:
a)Nós acreditamos que a chamada "consciência crítica" é fator fundamental da formação do professor. Mas na sociedade do hiper-consumo não é a consciência que é manipulada pela ideologia, mas o desejo, que é infraconsciente. Como formar o professor para se contrapor, pedagogicamente, à manipulação do desejo?
b)Num mundo sem utopias e que se volta contra o passado, seja como iniciativa de reparação, seja de modificação; em que a família se transformou e o espaço público (cidadania) está em crise, o que acontece com aquela posição do professor na "encruzilhada"?
c)E, finalmente, num momento como este, marcado pelo hegemonia neoliberal, em que está em jogo a formação de uma nova subjetividade auto-empreendedora - o sujeito como uma empresa de si- o que esperar de nossos professores em termos de fazer com que seus alunos não se vejam exclusivamente pelos olhos do sistema aos quais pertencem?
Flávio Brayner, professor Emérito da UFPE