Ao Toque da Sanfona

Quem, dentre os pernambucanos, ao toque da sanfona, não se deixa levar pelo remelexo do xote, do xaxado, do baião e do forró?
ROBERTO PEREIRA
Publicado em 04/06/2023 às 21:07
Bastam a sanfona, o triângulo, a zabumba e os acordes do cancioneiro popular para que a festa se faça alegria e contagie a todos no mexe-remexe-mexe do chamado forrobodó Foto: DAYVISON NUNES/JC IMAGEM


Quem, dentre os pernambucanos, ao toque da sanfona, não se deixa levar pelo remelexo do xote, do xaxado, do baião e do forró?

Estão em nossas raízes a música e a dança, traços fortes da identidade cultural do povo pernambucano e, de resto, nordestino. Bastam a sanfona, o triângulo, a zabumba e os acordes do cancioneiro popular para que a festa se faça alegria e contagie a todos no mexe-remexe-mexe do chamado forrobodó.

Os pares, como num “baião de dois”, vão ao arrasta-pé, porque balançar o esqueleto é próprio da boa gente pernambucana, que, nas cidades interioranas, quando da falta de um maior número de cavalheiros, dança até “muié-com-muié”, dentro de sublime elevação de espírito.

O ciclo junino, talvez mais do que o carnaval, bate forte na alma do povo de nossa terra. Primeiro, é uma festa bem familiar. Depois, tem uma diversificação folclórica, que vai além da música e da coreografia que a dança costuma ensejar.

As vestimentas dos grupos de “quadrilhas”, dos bacamarteiros, dos casamentos matutos, dos cocos-de-roda e das cirandas dão um colorido especial a esses festejos de tanta tradição e, a cada ano, revividos com alma, vibração, entusiasmo, testemunhando, assim, as riquezas incontáveis que existem em nosso acervo cultural, patrimônio intangível da nossa pernambucanidade.

Somam-se às celebrações dessa época, crendices, superstições, no afã das moças em saber o seu futuro, o nome do noivo que pode nascer do ajuntamento de pingos de vela, numa bacia com água, ou, pelas marcas impregnadas na faca, depois de encravada no miolo da bananeira, chegando, segundo dizem, a formar letras iniciais, as quais, possivelmente, serão as do “príncipe encantado”.

O Recife, cidade rurbana, simbiose de cidade urbana e rural, expressão feliz do sociólogo Gilberto Freyre, nesse hibridismo, sabe ser metade metrópole, metade interior. Daí, nesta fase do ano, costuma se amatutar sãojoanescamente, porque, sobretudo, na sua periferia, muitos são os arraiais, as competições de mais de 500 quadrilhas, umas estilizadas, outras ainda no melhor estilo clássico-tradicional.

Pernambuco já está, por inteiro, vestido de São João. Em várias cidades, vilas e lugarejos, ruas e arruados, as bandeirolas e os balões dão o clima e anunciam o ciclo junino, sempre homenageando a santa tríade: Antônio, o casamenteiro, João e Pedro, ficando Paulo no esquecimento.

Mesmo quando a seca não permite uma melhor colheita de milho, na multiplicação dos caroços, sempre há de chegar, aos estômagos dos mais apetitosos, a pamonha, a canjica, o pé-de-moleque, o milho assado ou cozido, enfim, toda essa culinária que, ano a ano, deixa-nos com água na boca.

Outra criação, de há muito um resgate do antigo à modernidade, é o Trem do Forró, que, atualmente, liga o Recife à cidade do Cabo, antes, por muito tempo, à capital do Forró, a nossa Caruaru, onde as tradições juninas são preservadas, mantidas, não se afastando dos usos e costumes da região, sendo um belo exemplo de nordestinidade.

Desde algum tempo, dentre os de cá e os que aqui se aproximam para o turismo de lazer e entretenimento, é vasto o leque de alternativas para quem deseja vivenciar o nosso ciclo junino.
Luiz “Lua” Gonzaga e Gonzaguinha são duas ausências/presenças neste período, a tal ponto que, um dia, escutei de uma criança: “Com traque de massa e o forró de Gonzaga, vou brincar o meu São Joãozinho”.

Quem tiver ouvidos, ouça: ao toque da sanfona não se deixe ficar: dois pra lá, dois pra cá, agarradinhos no salão, e, num ambiente bem familiar, está feito o passo/compasso do baião, canto da dança e cântico da pernambucanidade, sendo a música Asa Branca, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, segundo Gilberto Freyre, a Marselhesa do Nordeste brasileiro.

Roberto Pereira, ex-secretário de Educação e Cultura de Pernambuco e membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo (Abevt).

CONFIRA A ABERTURA DO SÃO JOÃO DE CARUARU:

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