Nelson Rodrigues dizia que toda unanimidade é burra. Mas apesar de confesso e assumido reacionário, abria exceção para Chico Buarque, a quem considerava unanimidade nacional. Pois bem, nem a Chico Buarque, o "imbrochável", chegado a joias raras, perdoava, pois não assinou o diploma do prêmio Camões que Chico ganhou, o mais importante da língua portuguesa.
Confirma-se, assim, o ódio secular que o neofascismo ressuscitou. Mas como a fila anda e o sol também se levanta, coube a Lula, assinar o pergaminho. Pegou mal para o Capitão de Fandango, se é que alguma coisa pega mal prum ferrenho defensor da tortura.
Enquanto o autor de A Banda é homenageado na Europa, pela sua genial e fecunda obra de compositor, dramaturgo e escritor, é xingado pelos cariocas grã-finos.
Ele conta, às gargalhadas, se lixando, com seu humor peculiar, que, caminhando pela Lagoa Rodrigo de Freitas, parou um "carrão" (vejam a ênfase ao "carrão"), e o motorista grita: "Ô, seu fdp, por que você não vai morar em Paris?". Continua caminhando, e, lá na frente, parou outro "carrão", e a motorista, berra: "Por que você não vai morar em Cuba, seu fdp?" E acrescenta, resignado: "Só há consenso no fdp..."
Para os dependentes de celular e internet, que nunca leram nem lerão Colette, Ford Madoxe Ford e Gertrude Stein, direi que Luiz Vaz de Camões nasceu e morreu em Lisboa pelos anos mil e quinhentos, descendente de aristocratas empobrecidos. Seu poema mais famoso, Os Luzíadas (1572), descreve sua epopeia, partindo do Tejo, contornando o Cabo da Boa Esperança (antigo Cabo das Tormentas), chegando à Índia e regressando a Lisboa.
Sua obra exerceu poderosa influência sobre a literatura eciana e tupiniquim. É bom assistir ao triunfo da cultura sobre o ódio, o obscurantismo. Enquanto houver Pierre de Ronsard, John Milton e Jean Racine, a mediocridade não vencerá. O canudo de Chico Buarque, engavetado pela ignorância, a estupidez e a burrice, agora chancelado por Lula, é uma vitória da democracia luso-brasileira.
Temos que estar atentos e vigilantes. O que nos reserva a badalada e imprevisível "inteligência artificial?".
Vem bronca pesada aí ... Rubem Braga recorda, em crônica magistral: "Sou do tempo em que o telefone era preto". Vista assim, essa frase parece banal - mas não é. Ela encerra muitas verdades e sabedoria. Não lembro de ter recebido trote maldoso, ameaça de morte, xingamento, pelo telefone preto. Não uso celular e atendo meu aparelho fixo, com cuidado. É ainda o velho Braga quem lamenta: "Hoje só se bebe água gelada. No meu tempo bebia-se água fresca e ela era boa."
Viajei com o juvenil do Sport em 1954 ou 55, pra jogar em São Bento do Una. Concentramos naquele casarão da ponte de Caxangá, e, à noite, tapeando o técnico Capuano e o diretor Murilo Teixeira, fomos dançar um samba na Várzea. Na manhã seguinte, ao passarmos por Gravatá, a ressaca apertou, tomei uma caneca da água de uma quartinha que dormira ao relento na janela de uma casa. Foi a melhor água que tomei na vida.
Arthur Carvalho, da Academia Recifense de Letras - ARL