Ainda sobre a inteligência artificial

O Professor Floridi é cético em relação ao domínio do homem pela máquina: uma geladeira, um aparelho qualquer, mas muito eficiente
JOÃO HUMBERTO MARTORELLI
Publicado em 14/06/2023 às 22:50
No caso do ChatGPT, não importa qual tipo de IA está por trás da solução tecnológica, o que importa é para que ela é usada Foto: WIRED.


Vamos começar tirando as maiúsculas, e chamando-a normalmente de inteligência artificial, assim como geladeira, televisão, aspirador depó. Essa, em resumo, a abordagem do Professor Luciano Floridi em entrevista recente na Época Negócios. Não é nem mesmo inteligência, apenas é um instrumento eficiente.
Sobre a carta proclamando a necessidade de diminuir a velocidade do seu desenvolvimento, acha que não tem sustentação científica, usa como base uma descrição genérica do que seja a inteligência artificial dominando o mundo (o que me impressionara, conforme meu artigo publicado nesta coluna em 18/5 último), e contém poucas avaliações das leis que já são desenvolvidas no mundo em torno do tema. E arremata que a carta é hipócrita, desfocada, não informativa.

É contrário às proibições (o CHatGPT foi proibido na Itália), embora, cauteloso, renove a necessidade de uma regulação. E, quanto a ela, faz uma abordagem filosófica bastante acurada. Diz que precisamos pensar em termos do que será o futuro, em vez do que tem sido o passado. Legislações frequentemente olham para o passado, tentando aprender com ele para projetar o futuro. No entanto, quando a tecnologia muda tão rápido, tão disruptivamente, confiar no passado não é suficiente e, frequentemente, traz uma visão míope. Precisamos olhar mais para o futuro e, por exemplo, ter uma legislação sobre IA não baseada nos tipos de serviços de IA, mas no que fazemos com a IA. Isso seria, se não atemporal, pelo menos duradouro, à prova do futuro. No caso do ChatGPT, não importa qual tipo de IA está por trás da solução tecnológica, o que importa é para que ela é usada. Não dá para pensar nele abordando a segurança do produto, mas a maneira e os fins para os quais o usamos. Porque ele pode ser usado sim de maneira perigosa (o que a coluna também alertou em 18/5).

Quanto ao domínio das big techs, defende uma profunda reforma da legislação antitruste no mundo todo, atualmente baseada em considerações de natureza puramente econômica. Ou seja, o foco é em considerações econômicas, como preço, o que não se aplica aos produtos gratuitos, como o ChatGPT, ou com valores muito baixos, como o acesso à versão paga por apenas US$ 20 por mês. E assinala: Como poderíamos melhorar isso reinventando as leis antitruste para o século 21? Para fazer isso, as leis antitruste devem ser favoráveis à democracia, não apenas favoráveis ao mercado. Hoje transformamos a política em economia política, e a economia política olha para as leis antitruste como algo aceitável de qualquer maneira. Há que se restabelecer o equilíbrio entre política e economia, e ver a qualidade do serviço e das escolhas disponíveis, dando opções à sociedade.

É totalmente cético em relação à possibilidade de a máquina se tornar mais inteligente do que o homem e dominá-lo – daí a equiparação a aparelhos eletrodomésticos, utilitários, o que simplifica e ridiculariza o problema -, um dos muito perigos cotidianamente apontados: Sério? Isso para mim é ficção científica. Vou morrer convencido de que esse mundo não vai acontecer, mas posso estar errado. Ficarei feliz em voltar daqui a cinco ou dez anos e constatar que eu estava completamente errado, e o ChatGPT ficou mais inteligente do que eu. Isso pode ser possível...

Uma voz consciente na grande discussão de nossos dias.

João Humberto Martorelli, advogado

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