Pecados de ontem, hoje e amanhã

Hoje as crianças não pensam mais em matar passarinho, em compensação os adultos capricham nos absurdos
SÉRGIO GONDIM
Publicado em 14/06/2023 às 22:59
Na lista dos absurdos cometidos por adultos, a história haverá de julgar os ataques de origem política contra a saúde pública, tendo como resultado pais que não levam os filhos aos postos de saúde para cumprir o calendário vacina Foto: MYKE SENA/MS


Houve um tempo em que crianças caçavam passarinhos, muitas vezes matando só por matar. Montavam armadilhas para capturar animais e os canários do império, galos de campina, patativas e pintassilgos viviam engaiolados. Não era pecado, o padre estava mais interessado em saber se a molecada bisbilhotava namoro pelo buraco da fechadura ou se sonhava com sexo. Só muito depois deu para entender por que tanta curiosidade e quem estava pecando na matéria. Crimes contra passarinhos não eram punidos no confessionário.

Hoje as crianças não pensam mais em matar passarinho, em compensação os adultos capricham nos absurdos.

Gasta-se muito pela democracia, vale a pena, mas a despesa maior vem depois. As manchetes continuam estampando a troca de favores, a entrega de empresas públicas para aliados e a quem se oferece para aderir. Detalham as operações com naturalidade, como se estivessem todos parados no tempo, matando passarinhos.

As cortes que julgamos pecados na administração pública também são dispendiosas, mesmo não sendo eficientes para impedir que a verba originalmente destinada ao ensino básico acabe em escola de samba.

Quando surgiu a grande operação, uma das maiores esperanças de novos rumos, a certa altura parecia haver juiz com venda nos olhos, armado com a espada para implantar a lei sem importar a quem. Um dos maiores enganos, segundo o conselho de justiça. Combinações com a promotoria, ausculta clandestina no confessionário, ambições políticas, um caráter que mesmo após demissão e desmoralização pública, permite voltar aos abraços de quem lhe é conveniente, sem parecer envergonhado.

O que a certa altura parecia um bom serviço, passou a ser um enorme desserviço ao país, uma anulação geral. Foi instituído o “desarrependimento” e grandes pecadores saem reclamando de perseguição, para caminhar em Copacabana. Implantaram “decisão de justiça se discute”, o “deixa correr” na instância errada, até depois do cumprimento da pena. Uma jaboticaba.

Sai um, entra outro e lá vem novamente um modo esquisito de operar, conversa mal-assombrada ao telefone, do tipo: aqui quem vos fala não sou eu. Se não foi imitação de voz através da chamada inteligência artificial, fica parecendo armadilha malfeita, como as das crianças de antigamente, usando visgo de jaca, mas grudando em quem armou a arapuca.

Os tempos são outros. Em muitos aspectos mais leves, mas nem por isso está tudo certo. Indicar o advogado pessoal para ministro supremo, pode ser legal, mas deve ser pecado.

Na lista dos absurdos cometidos por adultos, a história haverá de julgar os ataques de origem política contra a saúde pública, tendo como resultado pais que não levam os filhos aos postos de saúde para cumprir o calendário vacinal. Existirá pecado maior?

Não se trata de saudade do tempo das baladeiras matando passarinhos, mas nesse aspecto, pioramos, pois agora as vítimas são as crianças. Meio século depois, o ensino básico não se tornou sequer razoável e está longe de oferecer os resultados necessários para tirar o país do atoleiro.

Como se não bastasse, ainda são vítimas de armadilhas e massacres nos locais onde deveriam receber ensino de qualidade.

Enquanto isso, tem partido político querendo trocar apoio ao que é fundamental para o país por uma boquinha familiar.

Por mais que fosse merecido, não vamos resolver voltando ao tempo da baladeira. Pode ser que o eleitor, a cada nova eleição, liberte o país desse tipo de gente, mas se a maioria optar por seguir fanaticamente as notícias falsas, vai demorar.

Sérgio Gondim, médico

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