Flávio Brayner,
Parece que quando se quer desmoralizar politicamente uma liderança, os primeiro "qualificativos" que veem à mente são "FASCISTA" ou "POPULISTA": o primeiro relacionado à liderança autoritária do "Duce" (remetendo ao Estado Corporativo de Mussolini, 1923-1943), com suas práticas de eliminação física dos adversários, cassando os partidos políticos, suprimindo as liberdades individuais e todas aas instituições democráticas. Mussolini, quem diria, antes da Marcha sobre Roma (1922) tinha sido do Partido Socialista Italiano e companheiro do pensador marxista, muito conhecido no Brasil, Antonio Gramsci (1898-1937)!
Se o termo "fascista" envia a uma experiência histórica de traços políticos identificáveis, o "populismo" parece que é mais complicado! O príncipe da sociologia política argentina, Ernesto Laclau (1935-2014), observou que o termo se referia indistintamente ao Narodnichevo russo, ao Peronismo argentino, ao Varguismo brasileiro, ao Poujadismo francês, ao Maoísmo chinês, assim como, hoje, entre nós, ao Bolsonarismo e, muitas vezes, ao próprio Lulismo! São movimentos localizados em contextos históricos muito diferentes, com formas de ação política e objetivos também muito distintos. No entanto, parece que há algo em comum entre eles, o que, de certa forma, justificaria o termo de batismo: a existência da "liderança carismática" capaz de mobilizar afetos escondidos nos subterrâneos reprimidos do social e dar a estes afetos um perfil político: ressentimentos (contra o burguês, o judeu, o estrangeiro, o colonizador, os políticos, o parlamento, a democracia - com sua aberta possibilidade de emergência da "crítica em movimento" e do "movimento da crítica"-), assim como ao ódio social recalcado, e às frustrações econômicas e sociais em relação às promessas que a democracia não cumpriu. Daí a constante harmonia entre populismo e autoritarismo, numa relação direta entre LÍDER e MASSAS e sem a intermediação das instituições parlamentares e representativas.
O problema é que a noção política de POVO, fundamento legitimante da democracia, dá lugar à MASSA, "informe e inautêntica" (Ortega y Gasset), facilmente manipulável em seus instintos até "primitivos" e projetando no "Líder" toda a esperança de redenção social: Guia Genial, Pai dos Pobres, Supremo Comandante da Revolução, Grande Timoneiro, Chefe Supremo... são alguns dos títulos protoreligiosos que a condição populista encarna, refletindo, na verdade, a falência da ordem política moderna (Democracia) produzida pela própria ordem econômica moderna (capitalismo), a mesma que produziu as MASSAS, a "multidão de indivíduos isolados" e politicamente desorientados da modernidade baudelaireana.
Sempre faz parte das iniciativas populistas um forte aparato comunicacional, do Volksradium nazista às redes sociais de hoje, passando pelo cinema de propaganda do Varguismo e chegando a essa conversa fiada e manipulatória do "Conversa com o Presidente", uma reles imitação do populismo de Estado Novo ("Conversa ao pé do rádio") e que, na verdade, promovem a desmoralização doas instituições jurídicas, quanto a desmobilização dos movimentos sindicais e sociais organizados: um risco eternamente presente nas sociedades democráticas. E não apenas nas periféricas!
Flávio Brayner, professor emérito da UFPE