É melhor quando a gente não pensa na morte. A consciência da morte já é morrer. Você está bem e alegre, ou até neutro, em determinado momento de tempo e espaço, acontece que sabe, a paralisação do momento, mesmo que você não queira, não perceba, e se revolte, o momento para.
Pense assim: há um ponto escuro no universo, esse ponto sou eu, sem alteridade, sem outras pessoas, apenas você. Talvez você não queira pensar, sinta então, como se o pensamento e o sentimento fossem planos distintos, não importa, também não sei, nem vou tentar abrir esse caminho tortuoso, porque é tudo tão claro. A diferença é que falo e escrevo, mas não haverá distância, nem mesmo diferenças. Um instante é um instante, expresso, mas não controlo. Tudo foi certo, mediocramente certo, mas quem vai aferir a mediocridade? Você come, joga fora, bebe, joga fora, faz amor, joga fora. E o instante não foi apreendido. Tem a memória, ficam lembranças, mas onde? Nada sólido. As percepções palpáveis foram inventadas, a dizer, são de outra natureza do dom da vida, a dor física é igual para quem as tem, e para quem não as tem. E a vida eterna é de cada um, até para quem não acredita, e pensa, ou sente, que o ponto escuro é o nada, esse conceito do nada eterno que já somos, então, a vida eterna é agora, não venha dizer que estamos passando, não sabemos.
Vejo daqui o mar e um pescador. Se eu quiser, o quadro fica na retina e na memória. Mas o pescador já passou, e a água do mar não é mais a mesma, mas é, se quiser. Porque a realidade não existe. A realidade de contrastes, a riqueza e a miséria, é nossa, invenção dos homens. O amor é invenção dos homens, o desamor é invenção dos homens. Quer melhor expressar as invenções dos homens? A vaidade. A mentira. As profissões de fé nos princípios que não se praticam. Tudo isso é muito chato. Pensar na morte é muito chato. A filosofia é chata. Porque, no fim das contas, não compreendemos. E eu entendo por que as pessoas fogem e se suicidam.
Eu afasto o mundo, e leio. Leio, por precisar, desesperadamente, entender, descobrir.
O melhor livro que li nos últimos tempos chama-se Intérprete de Males, de Jhumpa Lahiri. Trata-se de um livro de contos de uma escritora britânica filha de pais indianos. Os nove contos do livro contêm descrições de personagens e acontecimentos, mas é como se não houvesse, em qualquer deles, um enredo, pelo menos não com um fim determinado. Compromete a arte da literatura o domínio das novelas, a cultura do enredo, desfecho e dramas intermediários com descrições da psicologia da personagem. Lahiri não serve para quem busca emoções, que não a beleza da palavra. E nem se pense que falo de prosa poética. A alocação de culturas e personagens com fina maestria descritiva, isso interessando mais do que o desfecho de cada acontecimento, é memorável.
Quisera poder escrever assim meu testamento. Sem enredo. Melhor ainda, sem fim.
João Humberto Martorelli, advogado