OPINIÃO

Pesquisa é retrato do momento?

A intenção de voto não pode ser a única variável divulgada para predizer o resultado eleitoral. Ela é limitada

Cadastrado por

ADRIANO OLIVEIRA

Publicado em 29/10/2023 às 4:00
O candidato a presidente da Argentina, Javier Milei, falando com seus apoiadores - LUIS ROBAYO / AFP

A derrota de Javier Milei no primeiro turno da eleição presidencial argentina questiona, mais uma vez, a propalada intenção de voto. Variadas pesquisas trouxeram resultados diferentes e quando as urnas foram abertas, Sergio Massa foi o vencedor. Os institutos, novamente, frisaram o óbvio e o correto: as pesquisas são retratos do momento.

A intenção de voto não pode ser a única variável divulgada para predizer o resultado eleitoral. Ela é limitada. Não consegue decifrar os sentimentos e os desejos dos votantes e, por consequência, possíveis mudanças nas escolhas do eleitor. Quando na pesquisa qualitativa indago, após a verbalização de vários nomes, em quem o eleitor poderia votar para prefeito, encontro, sistematicamente, quatro tipos de votantes: 1) Os decididos; 2) Os que estão em dúvida; 3) Os que propõe; 4) Os que rejeitam.

Os primeiros são enfáticos: “Prefiro Carlos. Ele é um bom prefeito e merece continuar”. Os que estão em dúvida, indagam: “Posso dizer mais de um nome?”. Os propositivos sugerem um político que não está na lista verbalizada. E os contra, rejeitam os candidatos citados e não sugerem nenhum outro. Este exercício, realizado na pesquisa qualitativa, revela que a intenção de voto tem limitação para expressar e antecipar as escolhas dos eleitores.

O que ocorre na intenção de voto é que o entrevistado está diante de uma sistema fechado de alternativas. Portanto, ele tem a obrigatoriedade de escolher o nome que está na lista apresentada ou optar por nenhum competidor. Soma-se a isto, as mudanças de opinião aceleradas dos votantes em relação ao candidato. Se hoje, opto por Carlos, amanhã, após uma notícia advinda das redes sociais, posso optar por Antônio. Isto não significa que não existem eleitores convictos, os quais fazem as suas escolhas e as mantém. Mas estão presentes votantes não-convictos. Estes estão em dúvida e podem ser bem suscetíveis a incentivos que os levam a mudar de opinião.

Existe exigência demasiada aos institutos de pesquisas. Os adeptos das pesquisas e a imprensam cobram e denunciam os supostos erros deles. Mas, friso: as empresas de pesquisas não erram. O importante é reconhecer os limites da intenção de voto para
predizer o resultado da eleição.

Não conheço nenhum político que não seja admirador da intenção de votos. Inclusive os experientes e “craques”. Qualquer previsão para a eleição é feita, exclusivamente, considerando qual candidato lidera: “António tem 38%. Pedro tem 10%. Muito difícil Pedro ultrapassar”. Escuto assustado e digo: mas ainda falta muito tempo para a eleição municipal. Vejam que a eleição presidencial ocorrerá em 2026. Mas já foram divulgadas pesquisas de intenção de voto mostrando o posicionamento dos possíveis competidores.

Wladimir Gramacho em artigo na prestigiada revista Opinião Pública (2013) revela que maiores discrepâncias entre o resultado da pesquisa e o da urna ocorrem quando: 1) As pesquisas são realizadas com maior antecedência; 2) Em disputas do 1° turno; 3) Em pleitos pouco competitivos; 4) Menor número de competidores.

Não importa o tamanho do tempo. As eleições têm mostrado que os eleitores têm mudado de opinião independentemente do tamanho do tempo. Uma pesquisa de intenção de voto para prefeito feita em novembro de 2023 contribui muito pouco para elucidar o resultado da eleição. Quanto mais perto da eleição, a pesquisa de intenção de voto tenderá a contribuir. Mas, repito: os eleitores, e isto não significa que seja uma grande quantidade de votantes, estão fazendo novas escolhas em curto espaço de tempo. Ressalto que esta assertiva não é generalizante.

Eleições não são para principiantes. Alguns pleitos eleitorais são previsíveis. Outros bem previsíveis. E, claro, no mundo social está presente a imprevisibilidade. Não adianta a insistência exclusiva com a intenção de voto. A sua publicidade deve estar acompanhada de outras variáveis que contribuam para revelar o resultado da eleição. É demasiadamente conveniente que pesquisas qualitativas sejam realizadas e divulgadas com o mesmo objetivo.

Adriano Oliveira, Doutor em Ciência Política. Professor da UFPE. Fundador da Cenário Inteligência: Pesquisas e Estratégias.

Tags

Autor

Veja também

Webstories

últimas

VER MAIS