OPINIÃO

Por que o Brasil não cumpre a Lei de Execução Penal? (2)

Sem o trabalho que tende a profissionalizar o detento, sem escola que possa tirá-lo do analfabetismo, enfim, sem o cumprimento da Lei de Execução Penal, não há remédio milagroso para a redução da reincidência criminal, nem para a humanização da pena.

Cadastrado por

Adeildo Nunes

Publicado em 23/11/2023 às 0:00 | Atualizado em 23/11/2023 às 15:51
Sistema penitenciário desafia legislação brasileira - NE10

Conforme já vimos em comentários anteriores, a Constituição da República manda que os presos brasileiros sejam recolhidos e separados, em cada estabelecimento prisional, de acordo com a sua idade, sexo e pelo tipo de crime praticado. Felizmente, nas últimas décadas, houve uma preocupação das autoridades públicas com a construção de novos presídios femininos, embora tenhamos cerca de 60 mil mulheres encarceradas, para 25 mil vagas. Como já registrado, comumente as poucas unidades prisionais femininas não dispõem de creches, berçário e seções para gestantes e parturientes, nem tão pouco a segurança interna é feita por agentes exclusivamente do sexo feminino, salvo poucas exceções. A finalidade das creches - que devem existir em anexo ao ambiente prisional - é a de abrigar crianças desamparadas, maiores de 6 meses e menores de 7 anos, proporcionando a convivência maternal entre a mãe e os seus filhos. Essas creches devem oferecer atendimento à presa e ao filho através de pessoal qualificado, de acordo com as diretrizes adotadas pela legislação educacional, com horário de funcionamento que garanta a melhor assistência à criança e à sua responsável. Os berçários, que devem ser construídos e mantidos em anexo ao ambiente prisional, servem para que a mulher-presa ofereça os cuidados necessários aos seus filhos, inclusive amamentando-os, no mínimo, até 6 meses de idade, seguindo preceito constitucional.

Com essas considerações, é fácil discernir que a ausência de creches, de berçários, de seções para gestantes e parturientes e de uma segurança interna realizada, ainda, por pessoas do sexo masculino, na grande maioria dos presídios femininos, induvidosamente, tudo isso contraria, frontalmente, a Constituição Federal e a Lei de Execução Penal de 1984.

No tocante à obrigação de o Estado realizar a separação dos presos, independentemente do sexo do detento, de acordo com a idade, um preceito constitucional regulamentado pela Lei de Execução Penal, cumpre ressaltar que é comum a existência de menores de 18 anos de idade recolhidos em estabelecimentos prisionais de adultos, porque não há um controle rígido sobre a idade dos que ingressam nos presídios. Tantas vezes o encarcerado sequer possui registro de nascimento ou outro documento que comprove a sua idade. De tudo resulta, que é e comum encontrar menores recolhidos nas prisões de adultos, quer nos cárceres masculinos, quer nos femininos.

Relativamente à separação de presos de acordo com a sua condição de provisório ou já condenado, embora a Constituição assim assegure, não há critérios objetivos para esta separação. Presos considerados inocentes pela Constituição e pessoas já condenadas em definitivo pela Justiça (criminosos) são recolhidos no mesmo espaço carcerário, quando o tratamento penitenciário deve ser absolutamente diferente. Preso condenado tem necessidade de se reintegrar ao convívio social, desde que lhes sejam proporcionadas as mínimas condições assistenciais, no afã de evitar a reincidência. Segundo O Fórum Brasileiro de Segurança Pública, cerca de 80% dos que cumprem a pena privativa de liberdade voltam a delinquir, depois de cumprida a sanção penal.

O trabalho prisional, a escola, a saúde, a assistência social, religiosa e jurídica, bem como a reaproximação familiar, são condições básicas para que o condenado não volte a delinquir. Uma das finalidades da execução penal é a integração social do condenado. É no âmbito prisional que o Estado deve oferecer essas mínimas condições para a recuperação do criminoso.

Como bem enfatiza Zaffaroni, se o Estado não tem vontade política de reintegrar o condenado à sociedade, melhor seria que não houvesse a condenação, ademais somente a condenação não basta. Recuperar o criminoso para que ele retorne ao convívio social, após o cumprimento da pena, sem mais delinquir, é base de sustentação para uma paz social duradoura.

Ainda sobre a separação de presos provisórios, observe-se quanto a Lei de Execução Penal tem um entendimento que condiz com uma boa política penitenciária: deve haver a separação dos presos acusados da prática de crimes hediondos ou equiparados (tortura, tráfico de drogas e terrorismo) e aqueles cometidos com o uso de violência ou grave ameaça devem conviver em ambiente próprio, enquanto os já condenados devem ser separado dos demais quando reincidentes ou tenham cometido crimes graves (hediondos ou equiparados).

Vê-se, pois, que a Lei de Execução Penal de 1984 não é cumprida nem nos presídios femininos e tão pouco nos masculinos, seja por falta de vontade política ou pela incidência de desestrutura gerencial, seja porque não há interesse em oferecer ao recluso as mínimas condições para um retorno saudável ao convívio social, depois de cumprida a sanção penal. Sem o trabalho que tende a profissionalizar o detento, sem escola que possa tirá-lo do analfabetismo, enfim, sem o cumprimento da Lei de Execução Penal, não há remédio milagroso para a redução da reincidência criminal, nem para a humanização da pena.

Adeildo Nunes, juiz de Direito Aposentado, Professor, Doutor e Mestre em Direito, Sócio do Escritório Nunes, Siqueira e Rêgo Barros - Advogados Associados.

 

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