OPINIÃO

Ninguém está acima da lei, nem mesmo o STF

A postura do ministro Alexandre de Moraes, no Tribunal Superior Eleitoral, tratando com ironia um pedido de sustentação oral, é comparável a uma falha no sistema circulatório da justiça, onde o sangue do debate jurídico, oxigenado pelo direito de defesa, é abruptamente cortado.

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FERNANDO RIBEIRO LINS

Publicado em 27/11/2023 às 0:00 | Atualizado em 27/11/2023 às 6:24
Ministro Alexandre de Moraes, do STF - ALEJANDRO ZAMBRANA/TSE

Como o coração em um corpo, que pulsa para sustentar a vida, assim é o princípio constitucional da ampla defesa no organismo da justiça democrática — essencial, vital e indispensável. Sem ele, assim como um corpo sem a vitalidade de seu coração, o sistema judicial se torna anêmico, privado da força que advém da nossa Constituição Federal, como destacou Ulisses Guimarães, da "Constituição Cidadã". Por isso, a postura do ministro Alexandre de Moraes, no Tribunal Superior Eleitoral, tratando com ironia um pedido de sustentação oral, é comparável a uma falha no sistema circulatório da justiça, onde o sangue do debate jurídico, oxigenado pelo direito de defesa, é abruptamente cortado. Atitude que não apenas enfraquece o corpo da justiça, mas também sintomatiza uma doença mais profunda no sistema legal: a desvalorização da função essencial que a sustentação oral e a representação advocatícia têm na manutenção da saúde e da integridade do judiciário como um pilar da democracia.

Comentários irônicos em espaços onde se exerce a justiça não apenas destoam, mas maculam a dignidade das nossas instituições. A ironia não é uma ferramenta de justiça, mas um instrumento que mina a confiança no sistema judiciário e desrespeita os princípios mais fundamentais do direito e da advocacia. Espera-se de um Ministro do Supremo Tribunal Federal uma conduta exemplar, imbuída de respeito, decoro e sobriedade, características essenciais para a manutenção da autoridade moral e da confiança pública no judiciário. Ao substituir o decoro pela ironia, o Ministro não apenas falha em seu papel como guardião da justiça, mas também contribui para a erosão do respeito às instituições jurídicas e, por extensão, ao próprio tecido da democracia brasileira.

A sustentação oral em julgamentos representa um importante momento da defesa, onde o advogado, armado com argumentos fáticos e jurídicos, enfrenta o desafio de convencer os julgadores dos direitos inalienáveis do cidadão que representa. Nesse momento, não raro o último bastião antes de uma decisão judicial, o advogado tem a chance de, frente a frente com o tribunal, elucidar equívocos dissipando dúvidas que poderiam levar a uma condenação injusta. Permitam-me ilustrar com um exemplo pessoal: quando uma turma julgadora de determinado tribunal, após ouvir sustentação oral que proferi, condenou meu cliente há algo que sequer fazia parte do processo. De pronto, retornei à tribuna para, após requerer o uso da palavra ao presidente da sessão de julgamento, apontar que aquela condenação era impossível, pois sequer constava do processo. Rapidamente, o julgador relator promoveu a retificação. Não fosse a sustentação oral, uma injustiça flagrante teria se consumado. Em outras circunstâncias, presenciei julgadores, influenciados pela força da argumentação oral, retirarem o processo de pauta para uma análise mais aprofundada dos pontos levantados.

O direito à sustentação oral eleva o debate jurídico para além da mera análise de documentos e escritos. É na articulação viva das palavras que a defesa ganha cor e forma, transcendendo as páginas para tocar a humanidade e a sensibilidade dos julgadores, sendo expressão audível do direito de defesa, uma manifestação concreta dos princípios democráticos que valorizam a voz de todos os envolvidos em um processo.

A tentativa de desvalorizar notas oficiais emitidas por instituições como a OAB representa uma falácia perigosa e um retrocesso preocupante para a sociedade e o exercício da cidadania. Posicionamentos institucionais são mais do que meros comunicados; são manifestações concretas fruto de reflexões e deliberações de entidades que representam segmentos significativos da sociedade. Ao minimizar a importância desses posicionamentos, nega-se o peso da voz coletiva e da expertise acumulada por estas instituições, cuja existência e atuação são fundamentais para a manutenção do equilíbrio e da fiscalização democrática. Abre-se caminho para a desinformação e para uma perigosa centralização de poder, onde apenas as vozes mais altas e mais imediatas são ouvidas, em detrimento de um debate informado e ponderado.

A OAB Nacional, hoje conduzida pela força e serenidade do presidente Beto Simonetti, é uma instituição com quase um século de existência, cuja história e legado transcendem em muito as notas oficiais que emite. A Ordem é bastião de ação, defesa e enfrentamento em prol da manutenção do Estado Democrático de Direito. Longe de se limitar a declarações escritas, tem sido força ativa e incansável na luta por um Brasil mais justo, atuando em diversas frentes que vão desde a salvaguarda das prerrogativas da advocacia até a defesa intransigente dos direitos humanos e civis.

A atitude do Ministro Alexandre de Moraes não é apenas uma falha pessoal; é reflexo de um problema mais amplo que ameaça o cerne da justiça. Nossa luta, portanto, é pela integridade e respeito que são devidos ao Estado de Direito. A mensagem que devemos reiterar, firme e insistentemente, é a de que ninguém está acima da lei. Nem o Supremo Tribunal Federal. E nem os seus ministros. Este é um princípio imutável, o alicerce sobre o qual a justiça deve ser construída e mantida, para que o equilíbrio e a equidade prevaleçam em nossa sociedade.

Fernando J. Ribeiro Lins, advogado e presidente da OAB Pernambuco.

 

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