OPINIÃO

Lula e Dom Casmurro

Afinal, essa graduação, sutil e imensa, é que separa Capitu e Sofia, a despeito de tão próximas pela impudência de caráter

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ARTHUR CARVALHO

Publicado em 10/01/2024 às 5:08
Até hoje recebo telefonemas de leitores perguntando o que o companheiro Lula da Silva quis dizer quando ponderou que a democracia venezuelana é relativa - RICARDO STUCKERT/PR

Até hoje recebo telefonemas de leitores perguntando o que o companheiro Lula da Silva quis dizer quando ponderou que a democracia venezuelana é relativa. E, apesar do nosso ínclito Presidente gabar-se, num churrasco na Granja do Torto, para um embevecido Bush, já meio triscado, de que jamais lera um livro - tenho a impressão de que ele andou lendo o Velho da Montanha, e com o “Velho” aprendeu que, segundo Dom Casmurro, ao analisar com profundidade a alma de Capitu, deitado sozinho na rede, numa noite estrelada de verão, chegou à confortável e apaziguadora conclusão de que “em matéria de culpa a graduação é infinita”.

Afinal, essa graduação, sutil e imensa, é que separa Capitu e Sofia, a despeito de tão próximas pela impudência de caráter.

Perguntaram, também, que estória é essa de dizer que, às vezes, o olhar é mais significativo do que o abraço, o beijo e o próprio ato sexual. E é uma verdade. Tanto que é permanente, na obra do Bruxo, a preocupação de caracterizar o olhar como a expressão perceptível de qualidades e de sentimentos, suprindo, inúmeras
vezes, o perfil psicológico, que ocuparia abundantes palavras acaso menos significativas, a começar pelos “olhos de ressaca” de Capitu.

E aí temos Sofia, do conto “Capítulo dos chapéus”, cujos olhos anunciavam mundos de aventura, “com a mesma facilidade com que deles refugiam”. Os olhos de tio Cosme eram “olhos dorminhocos”, os de prima Justina, “olhos curiosos”, os de Escobar, “olhos policiais”, na acintosa classificação que lhes dava prima Justina, “olhos refletidos”, como preferia, prudentemente retratá-los tio Cosme. Os olhos de Sancha, a companheira de colégio de Capitu e mulher de Escobar, impuseram-se em dado momento, a Bentinho, “quentes e intimativos.”

De Virgília, esposa do deputado Lobo Nunes e amante de Brás Cubas, os olhos, bem examinados, não diferem dos “olhos convidativos” da mulher de Cristiano Palha, em cuja teia de sedução Rubião se esbarrou até ensandecer. Clarinha, de “O relógio de ouro”, tinha olhos de “mulher como poucas”. Joaquim Nabuco aconselhava os homens a fugir das mulheres que têm nos olhos um abismo, uma “aura de mistério na fronte”.
Guiomar e Helena tinham olhos “castanhos e cálidos, os de Camila, também. Os de Natividade, “olhos negros”. Os olhos de Iaiá Garcia filtravam “uma luz insinuante e curiosa”. Os olhos de Ezequiel eram de “uma expressão esquisita”.

Arthur Carvalho - Associação Brasileira de Imprensa – ABI

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